sábado, 13 de maio de 2017

O ROSÁRIO DO ICÓ E AS TRADIÇÕES DOS ESCRAVOS

Caminhando pela Rua do Meio, onde moravam os pobres, serviçais e escravos, aos poucos avistamos a fachada do "Rosáro". Certamente a fachada mais bela e harmoniosa das igrejas do Icó, voltada para o coração da cidade, no mesmo costume colonial, onde todas as igrejas voltam-se para a sua Igreja Matriz, onde está o Santíssimo Sacramento, in casu, a Igreja da Expectação.
. Era por ali que os negros cativos peregrinavam em busca de sua "Mãe do Rosário" e por lá, certamente, evocavam os seus orixás, os seus eguns e praticavam seus candomblés em suas lovações a Yemanjá: Odô-fe-iaba! Odô iá! Odô (rio); fe (amada); iyàagba (senhora) - Amada Senhora do Rio (das águas) !





Os brancos sem entender a louvação em Nagô, rezavam: Sancta María, ora pro nobis. Sancta Dei Génitrix, Sancta Virgo vírginum, Mater Christi, Mater divínæ grátiæ, Mater puríssima,Mater castíssima... Kyrie, eléison.Christe, eléison.Kyrie, eléison, mas o rio Salgado cortava, com suas águas de inverno, escutava os louvores e Yemanjá ali habitava.

Não exclusiva dos negros era a estes destinada, todavia os brancos a frequentavam e tinham devoção a N. Srª do Rosário, e muitos nela casaram-se e batizaram-se, como constam registrados nos livros ecleaiais da freguesia.

A Igreja do Rosário do Icó permanece em pé por mais de dois séculos, todavia suas manifestações culturais desapareceram ao longo do tempo. Porém nessa igreja reuniam-se as confrarias de negros. Era forma de auto afirmação e minutos de liberdade numa sociedade escravocrata e perversa. O essencial dessas confrarias ou irmandades era a sua íntima conexão com as cerimônias de coroação dos reis negros e momentos de encontrarem-se com os seus pares, coma comunhão que somente a religião católica, naquele momento histórico poderia propiciar. Esses cerimoniais, de acordo com a tradição africana, iniciaram-se com a figura de Chico Rei, ou Ganga Zumba Galanga, rei Congo dos Quicuios, que foi trazido como escravo para o Brasil, juntamente com sua corte, no princípio do século XVIII..Quando me entendi de gente, no final dos anos 60 e início dos 70, ao derredor da Igreja pastavam vacas e bodes, com seu pequeno cemitério secular abandonado, cheio de ossos ressequidos.

Os únicos freqüentadores dessa igreja eram os fiés morcegos. A imagem do Rosário para não ser roubada ficava guardada na casa de particulares.

Anualmente, após a procissão, rezava-se uma agoniada missa no meio do calorzão de matar... Era o mês de outubro. Lembro-me claramente de Eutímia Moreira (Timinha), cantando com sua forte voz a ladaínha de Nossa Senhora do Rosário, em latim e a procissão que saia às quatro e meia da tarde, em pleno sol-quente, às pressas, como quem quer acabar logo, pelas ruas da cidade, e alguns dias depois , "a subida" da imagem, tudo com o explodir das "bombas", que só o Icó sabe fazer daquela forma, como dizia minha amiga Zilma Almeida: "No Icó, até pra rezar é na base da bala".


Texto reeditado.


Criação de Washington Luiz Peixoto Vieiramailto:Vieirawlpv1@hotmail.com


Informações Adicionais:


A devoção à Nossa Senhora do Rosário vem de Portugal desde os séculos XV e XVI quando os negros já se congregavam nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário, nas terras lusitanas.
Inicialmente, conta a tradição, a devoção à Nossa Senhora do Rosário era realizada somente pelos brancos e se tornou popular com a famosa batalha de Lepanto em 1571, sobre os mouros foi, atribuída à intercessão direta da Virgem Maria.


Em 1496, o rei de Portugal, Dom Miguel, já se referia à "Confraria dos Pretos", fato que nos faz acreditar que os negros, em terras lusitanas, aceitaram o catolicismo como forma de tentar manter, através do sincretismo religioso, as suas devoções.
Com a criação dessas irmandades religiosas, que eram compostas basicamente por cativos, os soberanos negros passaram a ser eleitos nessas agremiações. As confrarias religiosas dos homens brancos tinham a missão de administrar os sacramentos, prestar assistência social, etc., enquanto as dos negros e mulatos tinham uma tarefa muito maior: a manutenção de sua identidade cultural.

Algumas da imagens acima, em montagens feitas por mim, são de Luan Sarmento, de seu blog Icó Arte Barroca, e outras imagens existentes no Orkut.

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