quarta-feira, 29 de novembro de 2017

RECIFE: FESTA DA CONCEIÇÃO DO MORRO

Hoje se inicia Brasil afora as festas de Nossa Senhora da Conceição. São centenas de festas, talvez milhares, umas maiores outras menores, umas em grandes catedrais, outras em pequenas capelas rurais. Todavia, o meu olhar como ser social está no Recife, é da festa do Morro da Conceição, pois é na imediação deste lugar geográfico que moro e vivo o clima “místico” que invade o Bairro de Casa Amarela e de uma forma geral a Zona Norte do Recife e irradia-se pela cidade inteira.

Diferentemente de outras festas religiosas católicas em que os fiés deslocam-se das periferias para o centro, a festa do Morro da Conceição faz exatamente o percurso inverso: Do centro e dos bairros ricos para a periferia.

De certa forma a Nossa Senhora da Conceição do Morro resgata a figura da Maria de Nazaré histórica, mulher da periferia e a história de Jesus, quando o poder estabelecido sai do centro do poder político e religioso do então Israel do século I da era cristã, à periferia, seja a pequena Belém de Judá: “E tu Belém não és a menor entre as cidades de Judá...”.

O antigo Outeiro do Bagnuolo transformou-se no Morro da Conceição desde 1904 quando Dom Luiz, bispo do Recife mandou construir o monumento em louvor de Nossa Senhora da Conceição. E torna-se no mês de dezembro o “Templo” do Catolicismo Recifense, meio frio, meio sincrético e com ares de libertador-carísmático¹ por parte dos católicos “engajados”.

O olhar do prelado diocesano, naquele iniciar do século XX para os subúrbios recifenses, intuo, não se dava no sentido de “humanizar” a Igreja Católica e levá-la aos pobres e sim evitar que os protestantes conquistassem as populações suburbanas que já construíam desde os finais do século XIX suas habitações nos morros que circundam a cidade antiga e distante dos alagados, geralmente próximos às áreas de antigos engenhos desativados: Um projeto de Cristandade.

Assim a festa do Morro da Conceição, mais que o Carnaval (que é o ápice desse ajuntamento de classes sociais) é o momento em que os ricos, os políticos e as autoridades constituídas visitam e “misturam-se” com os pobres. Madames, vestidas de azul-claro e terço nas mãos, sobem as longas escadarias do morro, pagam suas promessas, vêem os mendicantes, os esgotos que correm a céu aberto pelas valas morro abaixo, sentem os odores e os sons, nem sempre ao gosto da “cheirosa e perfumada” burguesia.

Não pense o leitor que a festa do Morro da Conceição iguale-se em grandiosidade a um Círio de Nazaré - como uma vez me comentou decepcionada uma conhecida minha - mas o Morro se enche de luz e é o momento de ganhar algum dinheiro com a venda de tudo o quanto é possível vender em festa de santo.

É uma festa essencialmente pobre. No alto do morro, até onde a Igreja pode impor suas regras e delimitar seus domínios, só atividades econômicas “pias”, vendas de lembrancinhas (santos, terços, fotos, etc). Embaixo, ao longo da Avenida Norte e Praça do Trabalho, situam-se as barracas de bebidas e os brinquedos dos parques de diversão. É ali que o povão toma a sua cerveja, come seu cachorro-quente, a sua maçã-do-amor, escuta o seu brega e diverte-se até o romper da “barra” da madrugada do 08 de dezembro, quando tudo termina escutando o “Ofício de Nossa Senhora”.

1 Uma mistura dos cacos da Teologia da Libertação dos tempos de dom Hélder e os avanços da Renovação Carismática Católica