sexta-feira, 5 de abril de 2019

LAMENTO DE ALEXANDRE POR HEFÉSTION

Não escutes a minha voz:
Ela é apenas a amargura
Do coração de um guerreiro!
Não olhe para as minhas lágrimas:
Elas são apenas o resto do pranto
Pela partida do amigo!

Quisera ser Zeus e raptar-te antes da morte
Ó meu Ganímedes,
Talvez eternamente alimentásseis aos deuses
E aos homens com o néctar da imortalidade,
Mas sou apenas um guerreiro que sofre
A partida daquele que mais amava!
Meu amigo, meu amado.
Quis o destino, ó Babilônia
Que tombasse ali, seu corpo inerte
Que transformei em divino herói
Edifiquei templo, culto:
Ò minha idolatria em forma de carne.

Que me vale Grécia, Pérsia, os mares e os desertos?
Partiste, estou só.
Com quem partilhar os meus sentimentos
Os meus segredos a minha solidão?
Com quem brincar de guerra
Lutar com Ares
Filosofar, cair nos braços de Afrodite ou Baco
Prefiro ser um Narciso nos campos de Apolo
Sou sombras de mim mesmo
Ó Hermes, não me avisaste!
Prefiro a morte, andar pelo Vale de Hades
A ver-me só sem o meu amigo!
Sou Alexandre, o Grande, o Imperador da Macedônia
Mas não sou nada sem ti ó amado Heféstion.

Poesia de Washington Peixoto, inspirada em Alexandre da Macedônia e seu amigo Heféstion. Clássicos da cultura grega (publicada em julho de 2010, reeditada. Imagem: Internet)

ICÓ, 1861 - O ÚLTIMO BAILE

31 de Dezembro de 1861.


As festas de fim de ano do Ceará daquele ano foram animadas. Por conta da guerra de secessão nos Estados Unidos o algodão subira de preço, a carne seca também, o couro curtido atingira cifras astronômicas.

Icó ainda era a próspera princesa do sertão, plantada às margens do salgado. Rica e opulenta sociedade sertaneja.

Para aquele festivo ano foram marcadas muitas festividades. Os salões da elite comercial icoense eram muito concorridos. Tudo prometia ser a melhor festa dos últimos anos.

O principal baile, marcado para o 31 de dezembro, no corpo do Teatro ainda novo, foi organizado por dona Maria Elise e Dr. Pedro. Um grande baile. Vinhos, espumantes, demais bebidas espirituosas, doces, salgados, assados tudo se preparava de forma magnífica.

O baile foi inesquecível. Era só o que se falava, tinha endoidecido o Icó. Nas casas, nos lojas, nas calçadas, nas ruas, tudo era motivo de comentário: Os cavaleiros em seus trajes de festa, damas no mais fino veludo e seda à exemplo das modas do Rio de Janeiro, comprados a 60 ou 80 mil reis cada, que rivalizavam entre si as mais importantes senhoras, as moças que foram roubadas naquela noite, os namoros indecorosos, os flertes, os arranjos de casamento, os maus comportamentos de algumas donzelas. Foi a festa da tafularia sertaneja: Luxo só.

Seria o venturoso ano de 1862.

A procissão com Bonfim, com seus três andores e o pálio do Santo Lenho em relicário e lanternários em prata, não foi de penitência, mas de agradecimento pela prosperidade. Todavia a direção da fumaça dos fogos, agouro observado, parecia indicar que alguma coisa oculta haveria naquele ano de 1862 e que não era boa...

O tempo, dono de si, a todos surpreende. Ás vezes imensas alegrias de um momento são o anúncio de uma grande dor, por vezes, ao contrario grandes tempestades e provações são prenúncios de vitórias e alegrias.

E nisso nem se imaginaria que o ano de 1862 seria não o ano de boas venturas para o Ceará e para o Icó e que seria o marco inicial da decadência da próspera vila sertaneja.

E assim foi.

Por volta de abril daquele ano, eis que os ventos fatais do cólera morbo invadiram as terras quentes do sertão, em pleno inverno que se mostrava regular e desta moléstia morreram um terço da população. Horror sobre horror, dor sobre dor. Não havia mais lugar para o sepultamento dos mortos. O Icó tingiu-se de preto em luto fechado e por muito tempo não se via mais gente nas rodas das calçadas no alegre conversar diário, nem janelas abertas com belas moças entretidas a observar os passantes...

- Valei-me meu Senhor do Bonfim! Valei-nos São Sebastião! Pedia o povo em procissão, rogando ao céu a suspensão da praga. Penitentes disciplinavam-se com seus silícios à correr sangue à frente da igrejas ou nos lugares ermos.

Porém o céu não atendeu às súplicas. Famílias inteiras foram dizimadas, noivos e namorados, cheios de vida e esperança no belo futuro, separados pela morte prematura, órfãos e viúvas ao desamparo, viúvos a procurar novas esposas sem encontrar mulheres disponíveis ao casamento.

Casas e sobrados abandonados, com todos os seus pertences, famílias e mais famílias fugiram do Icó com medo da morte, em busca de terras mais saudáveis.

O Icó tornara-se terra mal-assombrada.

E assim o ano de 1862 e 1963 foi uma das eras mais tristes da história do Icó.

Mas há quem afirme que, nas passagem de cada ano, ainda se escutam alegres vozes, risos e tilintar de cristais vindo de dentro do velho teatro, sem que lá esteja uma viva alma...

Criação de Washington Luiz Peixoto Vieira, escrito em homenagem a José Ronald de Carvalho Fontenele, que gentilmente me ofertou a obra "Diário de Viagem de Francisco Freirte Alemão" de cujas preciosas informações fomos capazes de idealizar esse texto/conto.


Ficção bom base e alguns dados históricos.Imagem: Montagem a partir do interior do Teatro do Icó, com várias figuras clássicas




MALASSOMBRADOS: A PROCISSÃO DAS ALMAS PENADAS

Pelos idos anos de 1894, aconteceram fatos extraordinários na antiga Vila Viçosa Real. Naqueles tempos o Brasil, respirava os ares da República, e a Igreja e Estado haviam cortado os laços de unidade, e o povo nada entendia do que acontecia e o bispo do Ceará exortava o seu rebanho “a orarem pela Igreja e Pela Pátria e premunindo-se contra os vícios à Santa Religião” alertava contra os “perigos do positivismo, do republicanismo e do protestantismo” (Carta Pastoral de 25 de março de 1893).

Eram tempos de mística e de ceticismo. De acomodação e revolta. Eram tempos difíceis!O mundo europeu, ainda não entrara em guerra, mas estava prestes a envolver-se na terrível carnificina de cristãos contra cristãos e a Rússia não caíra nas mãos dos comunistas. Mais isso era coisa distante, Viçosa nem rádio tinha e o que interessava era que por ali já escasseava a farinha de trigo e já não havia pão e foi neste clima que houve uma verdadeira revolta das almas, contavam os mais antigos. Se aqueles não se reviraram no túmulo, diante de tanto horror, da mudança de era e costumes que adviriam, suas almas, pelo menos, manifestaram-se de forma paranormal pelas ruas da cidade.
Assim, pois, narram que houve uma procissão de almas pelas ruas, nas altas horas, que só hoje mortos também poderiam confirmar, uma vez que estes foram as testemunhas oculares.

O velho cemitério da Rua da Cruz, ainda existia por volta de 1930, embora abandonado. Os ossos das vítimas da “Tragédia da Tabatinga” ainda estavam lá, os do cólera-morbo de 1860, já eram esquecidos. Os tatus, conhecidos e vorazes freqüentadores de cemitérios, ainda tinham seus buracos por ali, gatas pariam nas gavetas abertas dos velhos túmulos de barro cru, bodes e vacas pastavam e aqui e ali alguma ossada misturava-se com o mato, somente o velho cruzeiro do século XVII, à porta do campo santo tinha vida, era local de peregrinação, rezas e acender de velas para as almas do purgatório. Por volta de 1957, foi construído sob os alicerces antigos, o Hospital e Maternidade Coronel Felizardo de Pinho Pessoa.Por volta de 1850, começaram as proibições do enterro nas igrejas, pois os desprendimentos de gases e de odores fétidos, oriundos das sepulturas, já haviam sido sentidos no interior da igreja matriz. Os sanitaristas acusavam essa prática de ser a causadora de várias moléstias e epidemias urbanas, inclusive pestes que devastaram mais de um terço das populações no século XIX.

Foi neste contexto, aliado às legislações sanitárias que já entravam em vigor, que se fundou o cemitério público-cristão na região nordeste da cidade, que ficou sob administração eclesiástica dos vigários paroquiais. Até então, os cemitérios, eram considerados campos-santos, locais sagrados, uma extensão da igreja.

Segundo relatos o cemitério ficava “ao nordeste da cidade, no fim de uma das ruas melhores, ocupando quatrocentos palmos em quadro de terreno, que foi doado por dona Inocência Maria da Conceição, já falecida. Foi edificado em 1863 pelo reverendo missionário de então, o padre José Tomás de Albuquerque, atual cura de Santana da Ibiapaba, com o auxílio e trabalho do povo viçosense; é bem construído, sendo de pedras suas grossas paredes; está mal colocado, visto ter ficado dentro da cidade e ficar a população sujeita a receber inalações”. Mas “não se encontrava em todo o cemitério uma catacumba, um túmulo em que se recomendasse o trabalho artístico. Não obstante o modo por que foi doado o terreno, e as declarações do missionário construtor da obra para que as sepulturas fossem sempre dadas aos pobres gratuitamente, assim só aconteceu durante três anos” ¹ (Siqueira p. 172)

Em face à fragilidade das edificações de túmulos e mausoléus, feitos de precários tijolos o padre José Beviláqua, quando por volta de 1894, mandou demolir todos os jazigos e proibiu novas construções e passou a cobrar taxas de enterro dos pobres, conforme determinara o Ordinário do Ceará “para que daí em diante serem pagas as sepulturas e o rendimento ser fábrica para a matriz”. A medida episcopal ia de encontro aos costumes locais e principalmente o que ditava o testamento de Maria da Conceição, que o doara de tão boa fé. A população revoltada resolveu peticionar a revogação da taxa paroquial ao bispo do Ceará D. Joaquim José Vieira (in BARROS, História de Viçosa do Ceará p. 37/39, citado em SIQUEIRA, p 172).

Se os vivos permaneceram calados e acataram a medida, como sempre o é, os mortos não, de forma que em altas horas de uma noite sem lua, os moradores da Rua Grande, já adormecidos, perceberam que alguma coisa estranha, muito estranha, acontecia. Medrosos, como é da cultura local, alguns tiveram a coragem de ir até as janelas da rua, que geralmente eram elaboradas de vários tabuados de madeira corrida, e pelas brechas, viram uma esquisita procissão:

Vinte ou trinta vultos caminhavam postando velas acesas ás mãos. Saíram do cemitério, pela Rua Grande, dobraram em frente à casa do Senhor Zeca Batista, descendo pela Rua das Bananeiras e voltaram silenciosamente para o cruzeiro do cemitério, na Rua da Cruz. Não se viam rostos, nem pés, apenas os passos lentos e silenciosos...
No outro dia, alguns curiosos foram até o antigo cruzeiro, qual susto não levaram! Encontraram, em vez de cera de velas, ossos humanos ressequidos dispostos em redor da cruz.
Eram as almas penadas, levando seus próprios ossos, como que iluminados em forma de velas... dizem, ainda, que essa procissão ainda acontece, vez por outra, diante de alguma indignação ou calamidade.

REFERÊNCIAS:


SIQUEIRA, João Otávio de, Viçosa do Ceará. Notícias Esparsas; Fortaleza, 2005 – PDF baixado da Inrernert em maio de 2009.

“POIS TU ÉS PÓ E AO PÓ HÁS DE RETORNAR”

Cada um de nós tem uma imagem de si próprio e nos olhamos com a imagem que construímos de nós mesmos, mesmo que ela seja irreal, fantasiosa, ou que a nossa imagem já tenha se desvanecido pela beleza efêmera da juventude que não mais nos resta. Mas a nossa imagem está lá no nosso inconsciente e por mais que o espelho nos revele tal e qual somos, sempre uma névoa está entre os nossos olhos e o espelho, numa espécie de “Retrato de Dorian Gray”: É a lente da Vaidade sobre os nossos olhos que nos impede de ver a verdade.

Geralmente essa imagem que temos de nós – quando fisicamente – é aquela imagem dos 20 anos, quando os hormônios da adolescência ainda explodiam em nós e exalavam-se por todos os poros, a cabeleira era vistosa, não precisava de tinta, a pele era razoável – apareciam as incômodas e juvenis espinhas, e víamos a vida como se os anos à frente de nós fossem infinitos – tínhamos todo o tempo do mundo, podíamos escolher o que nos fosse imediatamente prazeroso, o tempo e a irresponsabilidade nos fazia super-heróis, acima do bem e do mal.


Nossa mãe era uma espécie de “serpente” às avessas, sempre inconvenientemente nos policiando e nos privando do fruto proibido, que estava lá, ao nosso alcance no paraíso e não podíamos alcançar de imediato...

Na “Lira dos vinte anos”, sexo é passatempo. É impossível quando se tem 20 anos perceber a limitação e a efemeridade do tempo, “tudo é divino, tudo é maravilhoso”. Mas os anos passam e rápido, bem rápido. Mas é com a imagem dos 20 anos, impressa em nós, que chegamos aos 30, 40, 50... 80... embora nem de longe sejamos o jovem e vinte que ainda imaginamos ainda ser.
Pra compensação dessa perda, vem a sabedoria, que entra em nós, também, por bem ou por mal.... e temos que aprender a aprender a viver, a re-sonhar a re-planejar a vida.

E é essa re-novação que nos jovializa – tomara que tenhas essa capacidade. Conseguir isso é uma luta necessária – e certamente tu, já que não tens mais a beleza dos vinte, te enxergarás no teu espelho da verdade. E certamente riras daquele “boy”, cheio de ilusão, e que passa jogando a vasta cabeleira - que não tens mais – e que ele não terá com a tua idade!.

É preciso encarar o tempo com serenidade – ele é imparcial. É necessário o passar dos anos e a decadência física como algo natural, encarar que a realidade nua e crua está na mensagem da quarta-feira de cinzas: “Pois tu és pó e ao pó hás de retornar” . (Gn. 3,19), todavia sem esquecer que em nossa essência está a fagulha do eterno incriado, e quem sabe não seremos incorporados em outro nível de existência?
Crônica de Washington Luiz Peixoto Vieira, elaborada em 06 de junho de 2008.
Imagem:
Pieter Claesz (Dutch, 1596/97

ICÓ EM NOITE DE LUA CHEIA