sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A RAPINA DOS BENS DO ALDEAMENTO DA IBIAPABA NO SÉCULO VIII, NO ALDEAMENTO DA IBIAPABA..

A expulsão dos Jesuítas do Brasil em 1759, foi caso pensado e repensado. Antes de tomada a decisão, ou melhor com a decisão já tomada o governador de Pernambuco, em maio de 1859, chamou a Recife o chefe de todos os índios da Ibiapaba, e já haviam combinado o desfecho final e o rateio do patrimônio acumulado.

Foi um fato escandaloso. Os inacianos foram caluniados pela coroa e seus emissários por todas as formas. Chamados abertamente de ladrões, corruptos, traidores do rei.

Por trás dessa expulsão tinham interesses os mais diversos, que se imbricavam uns sobre os outros que é impossível apresentá-los com exatidão.

De um lado os objetivos do Marques de Pombal, um déspota esclarecido que desejava tirar da sua frente todo e qualquer empecilho religioso que atrapalhasse seus planos de modernidade e desenvolvimento e os jesuítas, papista e frutos da contra-reforma católica eram o que – na visão de Sebastião de Carvalho e Melo tinha de mais atrasado.

Na visão de Pombal toda a obra dos padres, por mais nobre que fosse, era um desserviço à coroa portuguesa, pois o modelo de homem produzido pelos padres era tudo o que Pombal não desejava. Nesse ponto Pombal tinha razão o protótipo do ser humano produzido pelos inacianos era um ser amorfo e medieval, obediente e servil. Porém entre as “boas intenções” de Pombal e a realidade brasileira, nessas terras de mato e bicho havia um enorme abismo!

Cadeira que teria sido usada para transportar o padre Antonio Vieira nos lombos dos índios, pertencia à Matriz de Viçosa, desde 1952 encontra-se no Museu Dom José de Sobral

Cá no Brasil os interesses eram outros, menos ideológicos e mais econômicos. O grande patrimônio acumulado pelos jesuítas, fruto do trabalho dos índios, despertava grande cobiça dos brancos da terra. Vamos tomar tudo desses padres velhacos, pensavam certamente os homens de negócio que por aqui viviam.

Os padres eram um duplo obstáculo para os homens da terra.

Na mentalidade da época não havia “comunhão” entre as ordens e congregações religiosas. Cada organização religiosa agia de forma independente , eram na realidade “Companhias”: Companhia de Jesus, algo assim parecido com as muti nacionais e suas filiais. Assim o bispo de Olinda dom Frei Francisco Xavier Aranha (1757 - 1771), a quem os territórios ibiapabanos estariam jurisdicionados estava privado desses territórios e suas rendas. Os Jesuítas, portanto, longe de serem difusores do Evangelho de Cristo, eram uma pedra no sapato para os planos do ordinário diocesano pernambucano, pois privada da jurisdição dos grandes territórios administrados pelos jesuítas as rendas desses territórios não caiam nos cofres da diocese, com a expulsão dos jesuítas tudo se reverteria em favor de Olinda.

Para os colonizadores os jesuítas “acoitavam” em suas missões grandes quantidades de mão de obra, inclusive “índios preguiçosos” que fugiam de suas terras para viverem sob a proteção dos padres. Essa mão de obra nativa era cobiçada pelos coroa e pelos colonos, em suas mãos ela teria muita serventia, deste a utilização nos engenhos de cana de açúcar, na criação de gado - em expansão nesse momento histórico e ainda na construção de obras públicas e privadas.

Para o traficante de escravos índios "amansados" era uma mina.

Daí o grande “ódio” aos Jesuítas!

Os inimigos dos jesuítas bem sabiam que sem ajuda dos índios dificilmente os padres poderiam ser expulsos. Daí a medida imediata era inculcar nos chefes indígenas o desejo e a ambição pelos bens coletivos, dificilmente os jesuítas sairiam de forma pacífica como o fizeram, de forma que foram os chefes indígenas, homens de confiança dos jesuítas que operacionalizaram o desfecho final dos padres.

No caso específico da expulsão dos territórios ibiapabanos, onde os jesuítas estabeleceram-se a partir do século XVII, a tomada de poder foi elaborada com muita meticulosidade, inclusive pesquisas atuais nos dão conta que em 29 de maio de 1759, o principal dos índios na ibiapaba, seja, D. Felipe de Sousa e Castro, já com o título de mestre-de-campo da Serra da Ibiapaba, é recebido em Recife pelo Governador de Pernambuco Luiz Diogo Lobo da Silva, conforme nos narra um ofício do dito governador ao secretário de estado de ultra mar, Tomé Joaquim da Costa Real, informando que os principais das aldeias reduzidas em vilas, estiveram em sua companhia para tomarem as instruções devidas, senão vejamos:

“Convidei a d. Felipe de Sousa e Castro, mestre de campo da Serra da Ibiapaba, hoje Vila Viçosa Real pra jantar comigo, tanto por ser o principal chefe a quem sete ou oito mil almas domina, respeitam com inteira obediência, como por se achar condecorado com o hábito de S. Tiago (...)”

Podemos verificar a importância de D. Felipe de Sousa nesse interregno da expulsão dos jesuítas, e a conseqüentemente a presença do índio, na administração do Brasil Colonial, quando nos deparamos com a ata de eleição da Câmara de Villa Viçosa, onde o mesmo sendo o primeiro de uma lista de sete homens (índios também), já é designado de Juiz Ordinário, e sem nenhum escrúpulo e lealdade aos padres assume nova função e ainda faz parte do grupo da rapinagem – fato que nos faz lembrar os mesmos fatos que acontecem nos dias atuais, nos troca-troca de partidos políticos e nas infidelidades e falsidades tão comuns.

A expulsão dos jesuítas, mais do que um fato religioso foi um fato político e marcou a formação da elite viçosense do setecentos. Assim, no longínquo ano de 1759, sob o signo da apropriação dos bens coletivos as bases da sociedade elites que dominariam a Ibiapaba (e Viçosa) por séculos e derem origem as aristocracias que governaram a vila e o município e monopolizaram os bens, particularmente as terras.

A antiga elite promotora da rapinagem dos bens dos índios e dos jesuítas era formada por índios captados pela coroa, traidores de seus irmãos, como por exemplo dom Felipe de Sousa Castro, mestre de campo, que fora agraciado com a Ordem de Santiago, padres corruptos vinculados à Diocese de Olinda a qual pertenceria à futura freguesia e paróquia de Nossa Senhora da Assunção, militares mercenários e desalmados.

Os resquícios daquelas antigas práticas de rapinagem hoje ainda florescem na ideologia das novas gerações descomprometidas com o social e com o coletivo e que se sucedem no mundo dos vivos.

De forma detalhada, coisa rara na historia do Brasil, consta em vários documentos históricos a relação do patrimônio dos Jesuítas no Aldeamento da Ibiapaba, relacionando pormenorizadamente as terras e os víveres nelas contidos, vejamos: Fazenda Tiáia, com quatro léguas de terras em quadro, quatrocentos e cinqüenta cabeças de gado vacum, 27 cavalos, um escravo angolano chamado José e uma cadela rajada amestrada na captura de onças; Fazenda Umbuzeiro, com três léguas, adquiridas por compra pelo padre Francisco de Lira, Fazenda Missão, com três léguas, que foram doadas pelos irmãos Manuel e Miguel Machado Freire; Fazenda Pitinga, com duas léguas, aquisição do padre Francisco de Lira e outras doações e aquisições em operações de compra e venda junto ao reduto da Ibiapaba. Essas terras, somente na Fazenda Tiáia, totalizavam doze léguas em quadro, todas destinadas às atividades agropastoris e com muitos e densos carnaubais.

Em 1759, quando foi decretada pela Coroa Portuguesa a expulsão dos jesuítas, os bens arrolados consistiam de: 1) Na Fazenda Tiáia -720 vacas de cria, 290 bois, dezoito éguas, 44 cavalos. 2) - Na Fazenda Umbuzeiro - 1.240 vacas de cria, 321 bois, 15 éguas, 16 cavalos, 33 cabras, 40 chibatos (bodes) - 3) - Fazenda Missão - 1.435 vacas de cria, 445 bois, 134 éguas, 43 cavalos, 50 cabras e 37 . 4) - Fazenda Pitinga - 238 vacas de cria. Resumindo tudo a termos práticos, teremos: a) - 4.709 cabeças de gado vacum; b) - 270 cavalos e éguas; c) - 150 cabras e chibatos, o que daria em valores atualizados, só em cabeças de gado vacum, considerando o valor de R$ 1.500,00 por cabeça a bagatela de mais de R$ 7.000.000,00 (sete mihões de reais): Esse era o tesouro dos Jesuítas, e não ouro que teria sido enterrado no piso da matriz, como se fez divulgar posteriormente e que provocou uma corrida em torno de botijas! http://mfrural.com.br/produtos.asp?categoria3=518&nmop=Animais-Bovinos-de-Leite-Gir-Leiteiro

Esses bens foram rateados entre vários elementos que foram o braço operacional da expulsão dos jesuítas, Juízes, índios mestres-de campo, padres diocesanos. Ou seja o tesouro dos bens jesuíticos, que na verdade eram os bens dos índios reduzidos, foram confiscados de forma imoral por uns poucos, ou de forma mais precisa:

Para nossa Senhora da Assunção: 600 vacas, 70 éguas, 13 cavalos;
Para o vigário Padre Luís do Rego Barros - 52 vacas, 6 bois, 25 éguas, 3 cavalos e 10 chibatos;
Para dois padres coadjutores Pe José Machado Freire e Francisco Ferreira da Silva: 80 vacas, 12 dois, 40 éguas e 6 cavalos;
Ao Diretor dos índios Diogo Roiz Correia: 8 bois, 2 éguas, 2 cavalos;
Para o Mestre de Campo dom Felipe de Sousa Castro (que era um índio): 80 vacas, 10 éguas e 3 cavalos;
Para os três Capitães-Mores: 72 vacas, 15 éguas e 6 cavalos;
Para o Sargenro-Mor Antonio da Rocha Franco: 16 vacas, 4 éguas e 1 cavalo;
Para os 15 Capitães: 180 vacas, 30 éguas e 15 cavalos; Para 2 ajudantes e um tenente: 24 vacas, 3 éguas;
Para os dezoito Alferes: 108 vacas, 18 cavalos;
Para 18 Sargentos: 36 vacas.

Aos olhos de hoje isso pode parecer pouco, diante do desenvolvimento agropecuário da atualidade, mas naqueles idos tempos isso era um grande patrimônio. Note-se que até uma cadela vira-lata era elencada nos bens ao lado de um escravo.

Nessa rapinagem os donos do patrimônio coletivo – os índios - não herdaram absolutamente nada, somente a miséria, o desamparo e a escravidão para aquele senhores recém-criados. As terras igualmente foram divididas na mesma proporção somente a Fazenda Tiáia foi adjudicada à Coroa portuguesa.

Há indícios – a historiografia oficial não registra – que muitos índios moradores da redução foram escravizados ou vendidos, em forma de contrabando para outras localidades, mulheres e crianças foram seviciadas e muitos fugiram diante das arbitrariedades dos novos poderosos, sem terem a quem recorrer nessas terras da injustiça.

E nossa Senhora da Assunção, com suas 600 vacas, 70 éguas, 13 cavalos e algumas léguas de terra, permaneceu do alto de seu trono, por já 401 anos, impávida, calada... quando os seus filhos, lá em baixo, espoliados, cantam-lhe ainda: “Virgem Santa da Assunção, Nossa Mãe e Padroeira. Dá-nos vossa proteção, sede nossa vanguardeira”!

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Amigo:

Infelizmente o povo de Viçosa não conhece as suas origens!