sexta-feira, 5 de abril de 2019

ICÓ, 1861 - O ÚLTIMO BAILE

31 de Dezembro de 1861.


As festas de fim de ano do Ceará daquele ano foram animadas. Por conta da guerra de secessão nos Estados Unidos o algodão subira de preço, a carne seca também, o couro curtido atingira cifras astronômicas.

Icó ainda era a próspera princesa do sertão, plantada às margens do salgado. Rica e opulenta sociedade sertaneja.

Para aquele festivo ano foram marcadas muitas festividades. Os salões da elite comercial icoense eram muito concorridos. Tudo prometia ser a melhor festa dos últimos anos.

O principal baile, marcado para o 31 de dezembro, no corpo do Teatro ainda novo, foi organizado por dona Maria Elise e Dr. Pedro. Um grande baile. Vinhos, espumantes, demais bebidas espirituosas, doces, salgados, assados tudo se preparava de forma magnífica.

O baile foi inesquecível. Era só o que se falava, tinha endoidecido o Icó. Nas casas, nos lojas, nas calçadas, nas ruas, tudo era motivo de comentário: Os cavaleiros em seus trajes de festa, damas no mais fino veludo e seda à exemplo das modas do Rio de Janeiro, comprados a 60 ou 80 mil reis cada, que rivalizavam entre si as mais importantes senhoras, as moças que foram roubadas naquela noite, os namoros indecorosos, os flertes, os arranjos de casamento, os maus comportamentos de algumas donzelas. Foi a festa da tafularia sertaneja: Luxo só.

Seria o venturoso ano de 1862.

A procissão com Bonfim, com seus três andores e o pálio do Santo Lenho em relicário e lanternários em prata, não foi de penitência, mas de agradecimento pela prosperidade. Todavia a direção da fumaça dos fogos, agouro observado, parecia indicar que alguma coisa oculta haveria naquele ano de 1862 e que não era boa...

O tempo, dono de si, a todos surpreende. Ás vezes imensas alegrias de um momento são o anúncio de uma grande dor, por vezes, ao contrario grandes tempestades e provações são prenúncios de vitórias e alegrias.

E nisso nem se imaginaria que o ano de 1862 seria não o ano de boas venturas para o Ceará e para o Icó e que seria o marco inicial da decadência da próspera vila sertaneja.

E assim foi.

Por volta de abril daquele ano, eis que os ventos fatais do cólera morbo invadiram as terras quentes do sertão, em pleno inverno que se mostrava regular e desta moléstia morreram um terço da população. Horror sobre horror, dor sobre dor. Não havia mais lugar para o sepultamento dos mortos. O Icó tingiu-se de preto em luto fechado e por muito tempo não se via mais gente nas rodas das calçadas no alegre conversar diário, nem janelas abertas com belas moças entretidas a observar os passantes...

- Valei-me meu Senhor do Bonfim! Valei-nos São Sebastião! Pedia o povo em procissão, rogando ao céu a suspensão da praga. Penitentes disciplinavam-se com seus silícios à correr sangue à frente da igrejas ou nos lugares ermos.

Porém o céu não atendeu às súplicas. Famílias inteiras foram dizimadas, noivos e namorados, cheios de vida e esperança no belo futuro, separados pela morte prematura, órfãos e viúvas ao desamparo, viúvos a procurar novas esposas sem encontrar mulheres disponíveis ao casamento.

Casas e sobrados abandonados, com todos os seus pertences, famílias e mais famílias fugiram do Icó com medo da morte, em busca de terras mais saudáveis.

O Icó tornara-se terra mal-assombrada.

E assim o ano de 1862 e 1963 foi uma das eras mais tristes da história do Icó.

Mas há quem afirme que, nas passagem de cada ano, ainda se escutam alegres vozes, risos e tilintar de cristais vindo de dentro do velho teatro, sem que lá esteja uma viva alma...

Criação de Washington Luiz Peixoto Vieira, escrito em homenagem a José Ronald de Carvalho Fontenele, que gentilmente me ofertou a obra "Diário de Viagem de Francisco Freirte Alemão" de cujas preciosas informações fomos capazes de idealizar esse texto/conto.


Ficção bom base e alguns dados históricos.Imagem: Montagem a partir do interior do Teatro do Icó, com várias figuras clássicas




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