A SAGA DOS PEIXOTO DO ICÓ – INÍCIO DE UMA FAMÍLIA
(Ensaio literário-biográfico escrito por Washington Peixoto, sobre Manoel Peixoto de Medeiros e Maria Amélia Monteiro)
Icó ainda despontava no final do século XIX, como uma das economias mais importantes do Ceará. O gado ainda tinha seu preço, e o algodão florescia plumoso, exportado que era para os Estados Unidos e a Europa, e mesmo já para o Recife, que iniciava sua fase de Leão do Norte, com arrojadas iniciativas da indústria têxtil desde que os ingleses por lá se estabeleceram após o Declínio de Delmiro Gouveia.
Todo o sul do Ceará e de Pernambuco mantinham relações de identidade étnica, nas raízes pernambucanas que fazia parte. Icó, por excelência, tinha suas bases genealógicas em Pernambuco; de Goiana e do Recife partiram, no passado, muitas famílias que por ali se estabeleceram. De sangue português, cristãos-novos e índios aculturados eram os fundamentos sanguíneos daquele povo que formava o Icó.
Orgulhosos de si os clãs já bicentenários e capitalisados ex-mascates do Icó, mantinham distância dos forasteiros e afastavam as suas donzelas do olhar do viajante.
(Manoel Peixoto de Medeiros e Amélia (Alencar Monteiro de Albuquerque) Peixoto (foto acervo de família, foto de 1900)
E foi como viajante, talvez para estabelecer-se na Vila do Icó, fugindo das confusões familiares do Exu e para fazer a vida, que por ali chegou Manoel Peixoto de Medeiros, era o ano de 1890. Galante, alto e de bigode, vestido com seu terno branco de linho, tão à moda da época, impressionava as mocinhas, que suspiravam pelo pernambucano!
Os Monteiro, tinham sobrenomes compostos, sílbolo de sua aristocracia. Embora não fosses família setecentistas, já tinham o seu grau de tradição no oitocentos. Adquiriras terras, gado e construíram seus casarios nas ruas nobres da Vila.
Amélia era uma de suas filhas; doce, de pele alva, prendada, fazia bordados, rendas, que fabricava para seu enxoval. No auge de sua formosura dos seus 17 anos era, coo costume da época, noiva, prometida a algum rapaz da burguesia icoense.
Com as irmãs, aos finais das tardes sentava na calçada e espiava cá e lá os transeuntes, que pra lá e pra cá, passavam pela Rua Grande.
Além do Teatro de Pedro Théberge, de recente construção, que ocasionalmente exibia algum drama o domingo dia de missa cantada na Expectação. Raros momentos de lazer e encontro de jovens, ao derredor do coreto da praça, que a sociedade ansiosa aguardava, quando podia-se tirar os vestidos do baú e os paletós domingueiros e ir toda a família, com seus leques e guardas-sóis para a igreja, ouvir a missa em latim, e depois flertar com ares pueris na praça.
E, foi aí que Amélia viu aquele moço moreno claro e esbelto, diferente.... e suspirou...Só o silêncio sabe como se achegaram, mas achegaram-se...e aparixonaram-se.
Manoel, um dia, homem de coragem , de sangue forte pernambucano de Exu, pediu a mão de Amélia ao velho Monteiro, que com um olhar fulminante para o atrevido forasteiro, deu-lhe como resposta um sonoro Não!
A paixão entre os dois, porém, foi mais forte. De forma que um dia Amélia Monteiro e Manoel Peixoto, uniram-se sob as bênçãos da igreja. Era o ano de 1895. Escândalo, desafiara os pais, e mais que isso, deserdada abandonou os sobrenomes Alencar, Albuquerque e Monteiro, pois daí por diante chamar-se-á Amélia da Silva Peixoto. O conflito com os pais fizera-lhe excluir os apelidos da família.
Do casal nasceram 11 filhos. 7 homens: Urbano, Damon, Luiz, Raimundo, José, Antônio, Quilon; e 5 mulheres: Florentina, Odécia, Maria de Lourdes, Carlinda e Carlota. Surgia o clã dos “Peixoto do Icó”.
Os meninos e as meninas nasceram e cresceram unidos - que só a morte os separaria - sem a presença de primos, embora os houvessem. Amélia não voltaria a falar com os pais, que não abençoaram o enlace - Conta-se que no leito de morte sua mãe a perdoou e a bençoou novamente... e Manoel jamais voltaria para Exu.
(Antonio Peixoto, em foto de 02 de outubro de 1937, foto acervo de família)
Já por volta de 1905 a tuberculose aos poucos minguava a vida de Manoel, que o liquidaria por volta de 1914, em breve Maria Amélia partiria também, deixando a filharada na orfandade, desamparada naquele Brasil ainda sem a previdência social e um ano depois o Nordeste era assolado pela terrível seca de 1915. Os mais velhos, precocemente tornaram-se adultos e assumiram a chefia da família. Urbano, Damon, Luiz, Raimundo, José, Antônio, Quilon, cuidavam do gado p’ra não morrer de fome e sede e do comércio. Florentina das irmãs e da casa, dos bordados e das costuras. Odécia já confeccionava flores, que ornamentava o arco do Senhor do Bonfim!E foi assim que naquele final do século XIX, nascia o meu ramo familiar materno, que hoje em parte, mora no Icó, e dá sua contribuição de vida, parte vive pelo Brasil afora.... Mas com o orgulho de ter em seu sangue o sangue de Amélia Monteiro e Manoel Peixoto, gente forte, guerra e determinada, que cresceu na pobreza,na luta e no trabalho, com os fundamentos do respeito pelo outro, pela ética, pela honestidade e por um espírito de pertença à família, que ainda hoje existe, mesmo com a parentela espalhada Brasil afora, mas quando encontra algum dos seus, sente uma alegria imensa como se encontrasse um novo irmão. Foi o legado daquele casal do novecentos.
(minha homenagem aos meus bisavós, pela linha colateral do avô materno, sou neto de Urbano)