segunda-feira, 22 de outubro de 2012

CONTO: O SÁBIO E O CARROCEIRO



Doutor Holiformes, homem culto, astrólogo. Possuía a arte da quiromancia, da taromancia, da aeromancia, da salimancia, da psicocomancia, enfim de quantas “mancias” pudessem existir.

Passava todo o seu precioso tempo a estudar. Ora hermeticamente confinado em seu estúdio. Ora nas noites sem nuvens, passeava pelos arredores sempre a olhar para o céu, contando cada nova estrela que imaginava ter descoberto. Considerava-se o mais sábio homem da cidade, por isso não queria conversa com ninguém: Todos eram "burros", ignorantes, seres desprezíveis, sem saber, dizia.

Numa dessas noites, aéreo e despercebido, perseguindo com seus atentos olhos uma estrela cadente, caiu no fundo de um bueiro e de lá não pôde sair sozinho.

Era tarde, e não havia ninguém por perto. Gritou, gritou bem alto, mas nada, ninguém lhe ouvia nem vinha em seu socorro.

Enfim, passadas muitas horas, quando a madrugada já avançava em direção à aurora, viu que alguém colorara a cabeça no buraco.

- Tem alguém aí?

Era Chiquitus, pobre carroceiro, que procurava o seu burrico que havia desaparecido.

- Ah, é o doutor sabichão! Exclamou.

E retirou o sábio e orgulhoso Doutor Holiformes do buraco.


Ensinamentos para a vida:

1. Tenha a mente e a cabeça voltados para as coisas elevadas, mas não esqueça que você vive na terra.

2. Ninguém, é tão auto-suficiente que não precise do outro.


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O VELHO MAGO E O FEIXE DE LENHAS


Era uma vez um grupo aprendizes de feiticeiros. Eles tinham sido escolhidos para serem os sucessores de um reino de magia. Tudo, aos seus olhos era belo, mágico, eles poderiam mais do que transformar qualquer matéria em ouro, eles materializavam os deuses. Seriam realmente grandes magos. Mas, ainda eram fracos e precisavam que os feiticeiros mais antigos lhes ensinassem grandes coisas e ensinamentos ocultos, antes que lhes fosse dado tão grande poder!

Por surpresa, o grupo dos jovens feiticeiros recebeu por mestre um antigo Mago que passara por todas as experiências da vida, e por muitas provas para chegar ao posto de Mestre-Feiticeiro. Era um homem bom, tão bom que parecia, às vezes ser ingênuo. Os jovens feiticeiros, também às vezes, o desprezavam, pois se achavam o máximo em sabedoria, haviam estudado em grandes universidades e adquirido graus de doutores, e o velho Mago havia estudado somente na escola da vida.
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O mais rebelde dos aprendizes, todavia, gostava muito do velho Mago, que era um homem muito paciente e compreensivo, e certo dia perguntou-lhe: - Mestre, como aprendeste a ter paciência?

O velho mago começou a contar.

- Filho, eu era um jovem impaciente e zangado. Morava numa aldeia, nas distantes terras do Sol. Éramos pobres, muito pobres. Eu, como sendo o mais velho, era o encarregado de percorrer as matas e juntar lenha para manter aceso o fogo de nosso fogão. Percorria a pequena mata e recolhia gravetos secos, paus maiores, madeiras diversas, enfim tudo o que podia, e sempre juntava grandes feixes de lenha, de forma a provir a maior quantidade e assim não voltar à mata tão rapidamente. Mas, ao contrario, com minha impaciência, chegava em casa, com metade do que havia juntado e tinha que voltar no outro dia para catar mais madeira.

E continuou:

- Certa vez juntei tanta lenha, que trazia amarrada sobre minha cabeça, mas aqui e ali caia algum graveto, que eu cuidava em juntar, mas a cada vez que juntava com raiva, todo o feixe despencava e eu tinha que junta-los, e sempre os juntava de forma tão apressada e desarrumada que logo adiante tudo se desmanchava de novo. E assim aconteceu por alguns anos. Certo dia todo o feixe se desmantelou e eu o joguei com força no chão. Nessa mesma hora me veio uma luz, como se alguém me dissesse: - "Apanha calmamente a tua lenha, junta pauzinho a pauzinho, com calma, amarra bem e não tenhas pressa, volta para casa bem devagar..." Assim o fiz, e procedi como a minha voz interior me havia dito. Juntei pauzinho a pauzinho, um a um, como se fossem jóias raras, amarrei bem o feixe de lenha e caminhei para casa sem pressa. Era tanta a lenha que passei vários dias sem voltar à mata. Foi assim, filho, que percebi que havia descoberto a virtude da paciência.


O aprendiz baixou a cabeça e pensativo refletiu que necessitava seguir os passos do mestre, e aprender que a paciência é uma virtude a ser cultivada, no dia a dia, no recolher de nossas lenhas para acender o fogo da vida. 

Conto de Washington Luiz P. Vieira
 

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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

PARA PENSAR: O CARREIRISTA É SEMPRE UM BAJULADOR


Você conhece algum “carreirista”? Oh sim, claro que conhece! E como conhece... E em tempos de cata de votos muitos deles se revelam ao vivo em cores.

É uma figurinha fácil, está em toda parte. E não é um ser em extinção, muito ao contrário prolifera de forma vertiginosa, adubado pela ideologia do poder que permeia nossas culturas. 

Desde o jardim de infância ele estava presente. Era aquela menina ou menino que te dedurava para a professora – ou era você que fazia isso? Que puxava o saco da professora, que bajulava a diretora. Sempre o bonzinho/a obediente: Ou era o ‘sim’ ou era ‘o sim senhora’.  Pobre criança!

O carreirista não tem escrúpulos. Para ele a mentira, a dissimulação, a falcatrua são apenas ferramentas de ofício, e usa dessas ferramentas com uma simplicidade que parece estar colhendo flores num belo jardim. É o discurso político. Os olhos brilham quando conta uma estória mirando o seu objetivo de forma que o interlocutor fica convencido da verdade.

É incrível como o carreista mente. É o prostituto do sucesso. Anda antenado à cata dos talentos alheios para deles tirar proveito.

É um ser ‘sábio’. Tudo entende, tudo opina. É um gênio: Nasceu sabendo. É inteligente.

Todo o seu “vetor interno”, o seu motivo de vida, é a sua carreira. - E ele vai longe - Para ele sua carreira é o mais importante de tudo. O resto é detalhe, inclusive as pessoas que deveria amar que são apenas adorno  ou instrumentos a usar em seu redor.

Os grandes – e pequenos - tiranos do século XX poderiam estar perfeitamente visíveis nesta descrição.

Se tiver algum nas imediações, saia de perto, pode sobrar pra você. Ele/ela é perigoso/a. Corra, esconda-se, peça socorro, faça qualquer coisa. Mas saia de perto, insisto!

Ele é mais ou menos como um viciado em drogas, ou mais no crak – não pode viver sem ele - não adianta, está sempre ligado no seu vício que é subir na vida.

Nada mais lhe interessa, senão subir... Nem sabe exatamente para onde vai, nem no que vai dar, mas quer subir, assim como um balão que se infla e se autodestrói: Pobre carreirista!

Para o carreirista não tem ética nem estética: Tem carreira. Ele vai adequando-se a qualquer cenário, é uma espécie de camaleão corporativo. Muda de lado, de ideologia, de virtudes, de pensamento ao prazer de seus objetivos.

Você deve conhecer alguns, particularmente no mundo político, que mudaram de forma inimaginável sua forma de pensamento: Da esquerda para a direita, da direita para o centro... é um flutuante, ou seja uma “merda n’água”.

Suas opiniões possivelmente podem ser classificadas como kistch, feitas para agradar, não para questionar, por isso procura lições em literaturas de auto-ajuda ou livros de sucesso.

Portanto, amigo, leitor tome muito cuidado se você convive com essa qualidade de gente, você pode ser apenas um desses instrumentos a ser usado e descartado e aos possíveis leitores carreiristas:

Lembre-se que você, pensando ser o esperto ou a esperta pode ser apenas uma ferramenta na mão de outro carreirista mais esperto que você!


terça-feira, 21 de agosto de 2012

SÉ DE OLINDA: NOVO CARTÃO POSTAL


Os cartões postais da Sé de Olinda, que mostram o seu interior, vendidos nas bancas e camelôs já estão ultrapassados depois da repaginada por que passa a velha igreja, particularmente na recolocação do tríptico de altares principais, sejam o Altar Central (mor), a Capela de São Salvador do Sacramento (Eucaristia) e a Capela do Santo Cristo.

Se desde a década de oitenta do século passado fiéis e visitantes estavam habituados, logo a adentrar pela porta central, visualizar a simples e bela imagem da cruz no altar-mor, talvez num modelo da igreja 'heldiana', seja do Concílio da Vaticano II, (5) hoje o visitante perceberá um grande resplendor barroco em cujo centro está a histórica imagem de São Salvador do Mundo (séc. xvii?), recentemente reencarnada por Manoel Guimarães, artesão e restaurador de arte sacra.³

A Matriz do Salvador conhecida como a Sé de Olinda é  uma edificação que data, em suas fundações originais em taipa de 1537/1540, e cujas ampliações e reformas foram de 1599, portanto, concomitante as resoluções do Concílio de Trento (1545/63), no qual a contra-reforma católica buscou idéias para o combate as doutrinas reformistas, daí a lógica do antigo tríptico de altares: A valorização do dogma da transubstanciação presente na Eucaristia, na centralidade do Cristo Rei (São Salvador do Mundo) e no anúncio da morte/ressurreição do Cristo (altar do Santo Cristo).

Desta forma a recondução dos altares (retábulos) da Sé de Olinda, é uma sutil restauração do projeto original, particularmente na recolocação da imagem de São Salvador do Mundo em seu local de origem – no altar-mor, cujo belo resplendor recentemente instalado (vide imagem acima) é originário do forro da Matriz de Santo Antonio do Santíssimo Sacramento do Recife, posssivelmente do Século xviii. Embora que do altar-mor original não se tenha registros fotográficos, e que segundo tradições era esplendoroso e ocupava espaço bem maior que do que hoje se pode observar. (5) Todavia pelo menos uma parte dele, seja a mesa da celebração eucarística em jacarandá, seja um fragmento do que fora um dia o altar-mor original (restaurada igualmente por Guimarães).³

A Sé de Olinda é um desses monumentos históricos-religiosos que desde a sua fundação passou por profundas profanações, reformulações e releituras. 

a) Quadro de Frans Post (1662):
 b) Montagem da Sé atual sobre a obra de Frans Post:

De edifício possivelmente maneirista no século XVI, “em 1631, como tantos outros monumentos religiosos, a Sé ficou em ruínas após o grande incêndio que houve em Olinda, por ocasião da presença holandesa em Pernambuco. Dizem que até para estrebaria para cavalos foi de utilidade. No entanto, o prédio foi reconstruído na segunda metade do século XVII”.¹  O quadro de Frans Post de 1622, nos dá a idéia de como a Igreja de São Salvador encontrava-se depois da destruição flamenga.
 
Somente em 1669, expulsos os holandeses e com a edificação em ruínas, a capela-mor foi concluída e foi possível rezar missa, todavia sem ornamentos nem sinos e as portas da fachada só foram colocadas em 1676, ocasião em que foi criado o Bispado de Olinda (A Fronda dos Mazombos, p.176). O que demonstra o grau de carência econômica daqueles tempos, com a nobreza de Olinda em decadência.

Imaculada Conceição (Quadro existente na Sacristia)

Daí por diante muitas reformas foram realizadas no interior e no exterior do velho templo.  Em 1911, quando da elevação da Diocese a Arquidiocese, sendo bispo entre 1901 a 1915, dom Luiz Raimundo da Silva Brito, sua fachada foi remodelada em estilo neogótico, talvez em alusão a este fato. Em 1930, sob o governo de dom Miguel de Lima Valverde,  foi novamente modificado para o estilo neobarroco. E em 1967/76, já sob o governo de dom Hélder Câmara através de grande projeto de pesquisa arqueológica, retomou traços do que possivelmente fora no século XVI/XVII.

Do restaram-lhe apenas os dois altares laterais à capela-mor, todavia da demais capelas, ao longo da nave, e onde existiam outros altares,  resta-lhe somente paredes e as esparças imagens de Nossa Senhora da Conceição, São Sebastião e uma tela da  Ùltima Ceia, ademais o vazio (o que poderia ser recomposto com alguns dos 12 painéis dos séculos XVII e XVIII, que lhes são pertencentes, e desde 1957 estão sob a guarda da pinacoteca do Museu Franciscano de Igarassu - galeria abaixo).
 




Segundo a pesquisadora Semira Adler Vainsencher, em 1974, a Sé passou por uma nova restauração, desta feita por intermédio do Programa de Restauração das Cidades Históricas, criado pelo Ministro João Paulo dos Reis Veloso; e, em 1976, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe – restituiu o estilo arquitetônico primitivo do templo.”1


O fato é que se nota que a Sé de Olinda, não obstante a sua importância simbólica de ser uma das três primeiras Sés do Brasil (Bahia (1575), Olinda e Rio de Janeiro (1676), e de onde partiam as diretrizes para a Igreja Católica até as fronteiras com o Maranhão, foi por anos negligenciada de forma que há registro que por muitos anos seu altar-mor, por volta dos anos de 1950, era casa de morcegos e muito de suas relíquias devem estar espalhadas sabe Deus por onde.  Esse abandono deu-se possivelmente a partir da decadência de Olinda (século XVIII em diante) quando os bispos passaram a residir em Recife, virando as costas para a velha Sé.

E como última atualização, a transladação dos restos mortais dos bispos e arcebispos que encontravam-se no Mausoléu dos Bispos, para as capelas laterais à nave.

Do lado esquerdo: Dom Matias de Figueiredo Melo (*1687- +1694), considerado por seus contemporâneos como 'o bispo Santo', 2º Bispo de Pernambuco e 1º a ser sepultado nesta Igreja; dom Tomás Manuel de Noronha e Brito (*1770-+1847), dom João da Purificação A. Marques Perdigão (1779-1864); dom Francisco Cardoso Aires (*1821-+1870), - aquele que negou o enterro do general Abreu e Lima no Cemitério católico de Santo Amaro; e dom Thomás da Encarnação da Costa Lima (1774 -1784)  e quatro outros prelados não identificados.




Do lado direito: Dom Luiz Raimundo da Silva Brito (1901-1915);  dom Carlos Gouveia Coelho (1960-1964); dom Miquel de Lima Valverde (1922-1951) e de dom Hélder Pessoa  Câmara (1964-1985) (6), dom Lamartine Soares (n.1927-m.1985) e padre Antonio Henrique Pereira Neto (n.1940- m.1969), transferido do cemitério da Várzea (Recife-PE), considerado o mártir da ditadura militar. Juntam-se, assim, numa justa homenagem os três símbolos da Igreja de Olinda e Recife, que lutou pelos direitos humanos durante o período de ferro da Ditadura Mulitar no Brasil (1964 até a abertura democrática), em um justo resgate à memória da história antiga e recente da Igreja Católica no Brasil.







REFERÊNCIAS/NOTAS:
1. http://semiraadlervainsencher.blogspot.com.br/2009/05/se-de-olinda-pernambuco.html
2.  A Fronda dos Mazombos - 2ª Edição 2003 - Mello, Evaldo Cabral de Melo.
3. Site do Restaurador:http://manoelguimaraesartesacra.webnode.com/ 
4. A Identidade da Beleza. Dicionáro de artistas e artífices do Século XVI ou XIX. Vera Lúcia Costa Acioli. 
5. Há informações que essa iniciativa foi do então padre Marcelo Carvalheira, que teria mandado construir a parede que hoje se vê aos fundos da capela-mor, uma vez que a antiga capela tinha maiores dimensões, que hoje são ocupadas pelo cemitério existente na Sé. O motivo teria sido um grande vazio dado a ausência do retábulo-mor já destruído.
6. Os restos mortais de dom Helder Câmara foram exumados no dia 17 de agosto de 2012, dentro do rito estabelecido pelas leis canônicas. Intui-se que a transladação dos despojos do falecido, bem como de material recolhido na sepultura serão devidamente guardados à espera de processo canônico em vias de averiguação de santidade do falecido arcebispo. Em caso de ser o mesmo declarado 'servo de Deus' , 'beato' ou 'santo' esses despojos tranxsformam-se em relíquias.   


Imagens/Créditos:
1. Montagem do autor;
2. Quadro de Fraz Post (wikpedia);
3. Painel existente na Pinacoteca de Igarassu (http://brauliomouraetc.blogspot.com.br/
4. Sé de Olinda -  http://commons.wikimedia.org/wiki/File:S%C3%A9_de_Olinda_-_1975.jpg
5. http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=404&Itemid=1

Para ler:
http://hzoom.com.br/pt-br/fotos/161?page=1
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2012/09/03/interna_vidaurbana,394387/impasse-sobre-destino-do-maior-acervo-sacro-de-pernambuco.shtml

Texto de Washington Luiz Peixoto Vieira 
Artigo atualizado em 13/09/2012