quinta-feira, 15 de outubro de 2020

 



A SOCIEDADE DO ICÓ, CONFORME O ALMANAQUE LAEMMERT , EM 1910.

Nesta pesquisa feita no Almanak administrativo, mercantil, e industrial do Rio de Janeiro, edição B00067, podemos observar “QUEM ERA QUEM” no Icó no ano de 1910.

O que constatamos era a uma sociedade organizada, conforme os padrões jurídicos e administrativos da época, com suas bases econômicas centradas no comércio, na agricultura e criação de gado,  nos serviços e com duas indústrias, uma na fabricação de cigarros e três do descaroçamento do algodão, o principal produto agrícola e de exportação na região, que foi a maior fonte de riquezas. 

 Os nomes que aí figuram são os ancestrais de várias famílias que existem na cidade e outras que possivelmente não tem mais descendentes, mas que ficam as pistas para quem deseje desenvolver genealogias.

 O que se pode afirmar que estamos diante de uma sociedade machista e patriarcal, o que era o normal para a época, ficando a mulher relegada às tarefas domésticas, de fato que nem citadas são a profissões típicas do sexo feminino, tais como as costureiras, bordadeiras, lavadeiras e passadeira, carregadoras de água, dentre tantas, que escaparia o nome de uma Glória ou Janoca Dias, não citadas na publicação. O papel da mulher, na vida pública, ficava reservada à educação, com sete referências femininas, sejam como professoras (05) e criadoras de animais (02).

 Esclarecendo que “O Almanaque Laemmert (pelo título original, Almanak Laemmert) como é conhecido, denominado Almanak administrativo, mercantil, e industrial do Rio de Janeiro é considerado o primeiro almanaque publicado no Brasil”. Editado no Rio de Janeiro, entre 1844 e 1940, pelos irmãos Eduard e Heinrich Laemmert. Mas autores argumentam que o Almanaque da Bahia seja o mais antigo do Brasil.

 

Vamos aos achados:

 

ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL, E INDUSTRIAL DO RIO DE JANEIRO, EDIÇÃO B00067.

 

ICÓ:

 

Comarca e município do mesmo nome. Compõe-se dos Termos do Pereiro, Umary, acrescendo mais três districtos policiais. Revela que Icó é uma das mais, senão a mais bella, pitoresca e tradicional cidade do Ceará. Situada numa vasta planície à margem direita do Rio Salgado, a 50 léguas do littoral, representa ella papel importantíssimo na história pátria, já por ter sido a primeira cidade que quando o Brazil em peso se batia pela extinção da escravatura, declarou-o tão livre o coração do escravo como o coração do senhor - tomando depois parte activa na propaganda republicana, já por ter sido o berço de homens notaveis pelo seu talento, pelo seu heroismo, pelo seu valor civico. Icó produziu Araújo Lima, o juriscolsulto eminente que tanto engrandeceu a sciência do direito; o General Piragibe, o invicto saldado que, no pleito de honra que sustentamos contra o Paraguai, deu provas inconcursas de heroísmo e abnegação; Nogueira Accioly, o grande estadista e político, que dignamente preside aos destinos do Ceará, e muitos outros brasileiros ilustres que teem honrado o nosso paíz. Conta com 800 casas, inclusive 25 sobrados e diversos chalts e bem assim 5 templos majestosos e algumas capellas filiaes. Primam pela elegância, pela sua bella construcção e pelas comodidades que offerecem os seus edifícios publicos, que são os seguintes: casa de câmara municipal, importante sobrado com um andar e seis janellas de frente, sendo o pavimento térreo ocupado pelo destacamento e cadeia publica; um theatro, bello edifício que comporta 800 pessoas, uma casa de mercado e um cemitério público. O seu clima é quente, porém saudável. População 20.000 almas.

 

Administração municipal:

Intendente: Alexandre José Fernandes.

Presidente: Manoel Nogueira Rabello.

Vice-presidente: Manoel Franklin de Albuquerque e Mello.

Secretário: José Francisco Magalhães.


Vereadores:

Camito Fernandes de Medeiros.

Illidio Odorico de Sampaio;

Joaquim Gomes de Mello.

José Raymundo Ferreira.

Manoel Magalhães.

Manoel Peixoto de Medeiros.           

 

Thesoureiro:

João Pinto Nogueira.

Procurador:

Joaquim Peixoto de Medeiros.

Fiscais:

Aprígio Nogueira Rabello.

Raymundo Rufino de Lima.

Theophilo de Amorim Lima.


Zelador do Cemitério:

Antonio Cosme de Lima.

Zelador do Mercado:

Henrique Pinto Nogueira.

Zelador do matadouro:

Manoel Emyglio Alexandrino.

Porteiro:

Manoel Alexandre dos Santos.

Carcereiro:

Vicente de Araújo Braga.


Administração judiciaria:

Juiz de direito: Dr. Bianor Carneiro Fernandes de Oliveira.

Juiz substituto: Romeu Estellita Cavalcanti Pessoa.

Promotor: Fructuoso Agostinho Dias.

Substituto do Juiz seccional: José Raymundo Ferreira.

Escrivão de orfhãos: José de Sá Villaronca.    (sic)

Escrivão do cível: Bernardo Pinto Brandão.

Escrivão do registro civil: Gil Teixeira de Medeiros.

Tabelliães:

Bernardo Pinto Brandão

José de Sá Villaronca.     (sic)

 

Administração Policial

Delegado: Raymundo Ferreira Lima, ten.

 

Instrucção publica:

 Professoras publicas:

D. Anna Teixeira de Sousa Ribeiro.

D. Antonia Rolim de Medeiros.

D. Felicidade de Albuquerque Campos.


Professores particulares:

João Antonio de Moura.

José Teixeira de Medeiros.

D. Senhorinha Dias Bastos.

 

Colletorias

Colector federal: Arthur Vieira Dias.

Escrivão: José Francisco Magalhães.

Collector estadual: Godofredo Fernandes Bastos.

Escrivão: Pedro Felippe Marinho.



Correio:

Agente: Miguel Fernandes de Medeiros.

Estafetas:

Antonio Félix Tetéa.

José Francisco da Costa

Vicente Ferreira Vianna,


Religião:

Monsenhores:

Dr. Francisco Ferreira Anthero, padre.

Manoel Francisco da Frota, Monsenhor.

Manoel Hermes Monteiro.

Vigário: Raymundo Hermes Monteiro, padre.


Commercio:


Negociantes de fazendas:

Agostinho Nogueira & Sobrinho.

Alexandre José Fernandes & Ciª.

Antonio Amaro da Costa.

Antonio Pereira da Graça.

Antonio Vieira de Carvalho.

Antonio de Sousa Ribeiro.

Carneiro & Monteiro.

João Baptista Carneiro.

José de Guimarães Caminha.

José Vieira de Carvalho.

José Raymundo Ferreira.

Leônidas Ribeiro Campos.

Manoel Coelho de Oliveira

Manoel Franklin A. Mello.

Marcial Teixeira Pequeno.

Miguel Fernandes de Medeiros.

Walfrido Carneiro Monteiro.

 

Negociantes de generos

Antonio de Sousa Sobral.

Bernardino da Costa Moreira.

Domingos Fernandes de Medeiros.

João Pinto Nogueira Neto.

Joaquim Villaronca. (sic)

José Lourenço da Silva.

José de Araújo Costa.

José Hermínio Teixeira.

Miguel Henrique de Almeida.

Moysés Francisco de Borges.

Raymundo Francisco da Rocha.

Ricarte Pereira da Silva.


Negociantes de molhados:

Agostinho Medeiros & Cia.

Agostinho de Sousa Marinho.

Antonio Luiz Gonçalves Viana.

Arthur Vieira de Carvalho.

Carlos Ernesto Bezerra.

Cândido Monteiro.

Canuto Fernandes de Medeiros.

Francisco Antonio Vieira.

Fructuoso Fernandes de Medeiros.

Geremias de Sousa Milhomem.

João de Sousa Sobral.

José Joaquim de Moura.

José Pinto Nogueira.

Lafayette Fernandes de Medeiros.

Manoel José do Monte,

Manoel Peixoto de Medeiros.

Manoel Roberto de Alencar,

Manoel de Sousa Sobral.

 

 

Profissões:

 

Advogados:

Ernesto Cândido de Lima Bezerra.

Joel Teixeira de Medeiros.


Alfaiates:

Francisco Gonçalves da Silva.

Paulo Antonio dos Santos.


Ferreiros:

Benjamim da Silva.

Manoel Tebaça.

Pedro Machado.


Funileiros:

Joaquim de Azevedo Villarouca.

Vicente de Araújo Braga.


Marceneiros:

Ernesto Tomaz de Aquino.

João Félix da Silva.


Seleiro:

João da Silva Pereira.


Médico:

Dr. Ingnácio de Souza Dias.


Ourives:

Firmino Augusto de Medeiros.

Manoel Cândido de Moura.


Pedreiros:

Antônio Alexandre do Nascimento.

Ernesto Pereira Simões,

Francisco Gonçalves de Amorim.


Fharmacêutico:

Illídio Osorio de Sampaio.   (sic)

 

Sapateiros:

Agostinho de Oliveira.

Antônio Baptista

Industrias:


Fabrica de cigarros:

José Bento de Oliveira Rolim.


Vapores de descaroçar algodão:

Alexandre José Fernandes.

José Raimundo Ferreira.

Manoel Franklim  A. Mello.    (sic)



Agricultores e lavradores:

Antônio da Cunha Angelim.

Antônio Lopes.

Bernardino José de Amorim.

Casimiro de Araujo Silva.

Emiliano José de Freitas.

Honorio da Sousa Milhomem.

João Facundo de Menezes.

Joaquim Felizardo.

José da Motta Barros.

Joaquim Felizardo.

José Baptista da Silva.

José Vicente Ferreira.

Manoel Freire de Mattos.

Manoel Nunes de Almeida.

Manoel Moreira de Sousa.

Manoel de Moura.

Manoel Nicoláo.

Miguel do Laboliço.

Pedro de Castro.

Raymundo de Oliveira.

Vitcal de Freitas Saraiva.


Criadores:

Alexandre José Fernandes.

D. Anna Dias Carneiro.

Antônio Teixeira Pequeno.

Antonio Pinto Nogueira Brandão.

Francisco Pereira Curado.

Francisco Ferreira, padre.

Dr. Ignácio de Souza Dias.

Illidio Osório de Sampaio.

D. Jacintha Brandão.

Joaquim Gomes de Mello,

Dr. José da Boaventura Bastos.

José Ferreira Antéro. (Sic)_

Jovino Pinto Nogueira.

Manoel Francisco da Frota.

Manoel Franklin de Albuquerque Mello.

Walfrido Carneiro Monteiro,

Viúva de Balduíno Ramos de Medeiros.¹



Capitalistas

Francisco Pereira Curado.

Dr. Ignacio de Souza Dias.

Dr. José de Boaventura Bastos.



(Pesquisa e edição de Washington Peixoto Vieira, em 10 de outubro de 2020,  com revisão de Ivanoé Pereira Júnior)

 

Obs. As grafias estão como o original se apresenta, incluindo nomes e sobrenomes,  sem atualizações ortográficas.


Icó antigo. Foto: Arquivo Iphan/João José Rescala

(1)  Conforme informações de familiares a  viúva de  Balduíno Ramos de Medeiros, é Dona Maria Amélia Nogueira de Medeiros.

 

 Fonte:< http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=313394&pagfis=44408&url=http://memoria.bn.br/docreader#>


 

 


segunda-feira, 30 de março de 2020

A QUEM PERTENCE O CADÁVER HUMANO?

O título deste artigo pode parecer pesado, mórbido e bizarro. Pesado não pelo assunto em si, mas porque nos faz refletir sobre um assunto pelo qual há um interdito crescente na sociedade contemporânea.
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Embora, estranhamente nos deleitemos com grandes tragédias alheias: A menina jogada pela janela, a outra morta pelo namorado, menino arrastado pelas ruas em carro de alta velocidade, uma “turista alemã” vítima de um possível complô familiar para receber um alto seguro, ficamos "admirando" as caçambas repletas de cadávares, como foi o caso do Haiti, com olhos fixos na TV, e por aí vai.
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Paradoxalmente, a nossa morte e dos nossos parentes,entendemos ser assunto privado, não diz respeito a ninguém. Negamos e escondemos as doenças. As mortes, infelizmente, temos que proclamá-la ela é um assunto público, o óbito é publico, gera direitos e deveres aos vivos, se não o fosse, possivelmente diríamos: “Fulano está viajando”, como geralmente enganamos as crianças..
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Negamos a morte da mesma forma que negamos e escondemos os nossos insucessos, como se a morte fosse um fruto de nossa incapacidade de viver e não algo tão natural como o nascer...
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E um tema doloroso que sempre adiamos: A Morte. Principalmente quando se trata da nossa própria ou da daquelas pessoas a quem queremos bem. É algo doloroso, cruel, irreversível, incompreensível. Buscamos sempre para ele subterfúgios para dele fugir. Mas, infelizmente, não podemos é tema real, um dia a mais, outro a menos, ele está ali na porta, ou melhor em nós mesmos: Seremos cadáveres!
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Não mais seremos, seremos apenas “espólio” no que nos restou da labuta, daqueles dias que o nosso desejo de ter nos embotou a vista, perturbou nossas relações humanas, interferiu nas nossas relações amorosas... Muitas vezes deixamos de assumir amores – proibidos ou consentidos – pelo simples fato da inconveniência social, racial, étnica e, principalmente econômica... Pensávamos – nós e nossos pais – sermos eternos. Coitados!
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Deixamos a ambição e o preconceito ser maiores que nós e nossa felicidade!Mas, passados os anos, ou não, morremos. Viramos o que os juristas de até então designam de “coisa nula”.Triste, mas real. Seremos – somos – cadáveres. Prontos à inexistência. Imediatamente passíveis à podridão.
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Num primeiro momento há a cessação de todos os fenômenos vitais, totalmente, definitivamente. Todo o nosso organismo, antes tão organizado, entrou em colapso, nossas células, tecidos, órgãos vitais paulatinamente, misteriosamente vão deixando a vida. Enfim, morremos!
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E aí. Nós, eu e você, amigo leitor, seres humanos livres, impertencíveis a ninguém, deixamos de ser. Somos apenas um simples Cadáver, despojos, restos mortais e nossos bens (ou não bens) Espólio.

Passamos a ser uma “coisa” pertencente ao Estado. Isso mesmo ao Estado. Não somos propriedade absolutamente de ninguém. Mas ninguém ao mesmo tempo, pode absolutamente lançar a mão sobre o que éramos.
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O cadáver – nós já não somos – não pertence á família. O primeiro passo para constatar este fato é registrar o Óbito. Ou seja registrar a inexistência de alguém. Se alguém não mais existe, ele não é, ela não pertence a mais nada, ela é nula, já era...
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Daí por diante, conforme a causa mortis o cadáver – puro descarte e prova que ali existiu um CPF é propriedade do Estado. E o Estado nos quer? Ele não tem essa capacidade de querer, ou não, já somos parte integrante dele, o problema são os governos, a estes já bastam as responsabilidades com os vivos...
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A piedade cristã, felizmente, tratou de remediar essa questão juridicamente fria, e deu dignidade ao morto, e instituiu na legislação e na cultura, o respeito aos mortos, que na nossa legislação deu uma espécie de Estatuto dos Defuntos, não permitindo que os despojos humanos fossem tratados como lixo, ou simples coisas. Permitiu que a família ou aqueles a quem a proximidade o/a tenham como tal, dêem ao morto, a possibilidade de não virar peça de necropsia ou alimentos para urubus. Mas não esqueçamos os cadáveres não são propriedade de ninguém, por mais digno e belo que seja o monumento fúnebre e mais importante o morto.
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Mas queiramos ou não, nossos falecidos corpos são pertencentes ao Estado. Mas o Estado, nem a família, não tem o direito de arrancar qualquer parte do morto, e doá-los a ninguém se o “vivo” assim não o designasse. Não pode “cremar” ou dar outro destino senão o tradicional “enterro” sem que o Estado, através do Judiciário assim o determine, e neste caso com muita prudência, preservando a memória do “de Cujos”, as não ser por razões de Estado, in caso as epidemias ou o perigo á saúde pública. Mortos seremos, ou não, com grandes possibilidades, perigo, aos vivos.
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Triste, não é? Mas é a verdade!
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E por fim, caso você e eu, disponhamos de um jazigo digno, luxuoso, ou tenhamos nada, a não ser terra fofa sobre o nosso vil cadáver. Ninguém, nem nossos parentes, nem nossos amados familiares, que podem ser – ou não – sepultados amorosamente conosco, serão e seremos esquecidos, ossos e não ossos, em tão pouco tempo, que esse artigo é de uma inutilidade cadavérica.
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Quem sabe, discutiremos esse assunto no Céu!
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Descansemos em Paz!


Texto de Washington Peixoto Vieira, escrito na madrugada do dia 07 de abril de 2010.



Imagem:
1. A Lição de Anatomia do Dr. Nicolas Tulp, de 1632 (Mauritshuis, Haia. Obra de Rembrant.
2. Hans Baldung, Death and the Woman, c. 1518-1519.
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Algumas Referências: Philipe Ariès publicou a "História da Morte no Ocidente", traduzida no Brasil pela Editora Francisco Alves, do RJ, em 1977.
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Legislações sobre doação de órgãos ou tecidos:
Lei nº 8.489/97 - Lei dos Transplante;
Lei nº 9.394/97 - Caracterização do Doador presumido (parcialmente revogada);
Lei nº 10.211/2001 - Alteração da Lei 9.394/2001 - Condiciona a retirada de órgãos à autorizção do cônjuge ou parentes de maior idade na linha sucessória reta ou colateral.

domingo, 19 de janeiro de 2020

PADRE FELIPE BENÍCIO MARIZ (1780 - 1850)



A neblina caia sobre a Vila, fazia frio, o centenário sino já tocara a chamada da missa. O Padre Felipe, como sempre com seus hábitos sertanejos acordara cedo e já se preparava na sacristia lateral da Matriz* para a celebração de sua desobriga cotidiana. Lera o breviário rapidamente. Seu pensamento estava em seu Icó. Faltava-lhe o cheiro do gado, sentia falta do calor, da coalhada e do leite ainda quente que chegava da fazenda. Chegara à Vila Viçosa fazia dois anos. Saíra do Icó, após os embates de 1817, do qual lutara contra os revolucionários, uma vez integrante do partido conservador. Nunca quisera ser padre, porém a imposição do pai Manoel Teixeira assim o determinava:

- "Pai, eu não dou pra essa coisa! Quero ser capitão do exército. O soldo é bom!'

- "Ora Felipe, não me desobedeça. Vosmissê já tem nome de santo. Você será o padre da família. João André já está encaminhado na carreira militar; um no exército outro na Igreja; dessa forma nos garantimos no Icó: O Vigário e o Capitão-Mor!"

Eis o pensamento de Manoel Alexandre, o patriarca dos Teixeira. - A ideia tinha surgido desde quando o batizou com o nome de São Felippe Benício e quando percebeu que o menino não saia da sacristia da Igreja da Expectação, ajudando como coroinha e servindo de testemunha em casamentos - E assim foi decidido o destino para aquele seu filho nascido em 23 de agosto de 1780. Dona Ana Macedo de Jesus Maria, sua mãe, trineta de Jerônimo de Albuquerque, só teria que concordar.

(Matriz de Nossa Senhora da Expectação, em Icó, Ceará, vendo-se ao lado o sobrado de João André Teixeira Mendes, o "Canela Preta")

Ingressando no Seminário de Olinda, o foco da formação liberal no Brasil, por volta de 1797, ali permanece até 1800, quando é ordenado por dom José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho (1795 – 1802), que fora o bispo fundador do famoso seminário e não ligava bulhufas para a “vocação sacerdotal”. Homem das luzes, sua intenção era formar homens para a mudança cultural do nordeste, e dar-lhes uma formação variada que ia da medicina à noções de filosofia, teologia e conhecimentos gerais, não negando os rudimentos do latim para rezarem as missas.

Do seminário da Olinda, e das turmas contemporâneas de Felipe Benício saíram todos os revolucionários de 1817 e 1824, incluindo-se: Miguel de Almeida e Castro (Frei Miguelinho) (1768-1817), Joaquim do Amor Divino Caneca (1779 – 1825) e José Martiniano de Alencar (1794-1860), dentre outros.

Ali, no Seminário de Olinda, o seminarista Felipe mudaria de idéia com relação ao presbiterato e veria que muito poderia fazer como padre católico. Era verdadeiramente um passaporte para o mundo da política. Quanto à castidade: às favas. Todos tinham mulher e filhos. Por qual razão ele seria diferente?

Assim, pois o Padre Felipe Benício Mariz canta a sua primeira missa solene, na Matriz da Expectação, parede e meia da casa do irmão João André, em Icó. Dia festivo naquele iniciar do século XIX. Certamente algumas cabeças de rês, perus e galinhas foram preparados para o banquete servido no sobrado da família. Toda a aristocracia icoense por ali , estava incluindo os coronéis Bernardo Duarte Brandão (pai) e Francisco Fernandes Vieira (1784-1862), o futuro barão e visconde do Icó.]

A carreira eclesiástica, era verdadeiramente um dos raros ofícios de futuro naquele Brasil oitocentista. E tinha que correr-se atrás dos postos nas vigararias que iam vagando e as que eram sendo criadas. Conchavos com a corte para as nomeações que dependiam do Príncipe Regente, que pagava os salários a essa classe de funcionários públicos. E assim, pois, é que vamos encontrar registros do nosso padre na capelania de Maria Pereira – a atual Mombaça – termo e freguesia do Icó entre 1805 – 1806.

E, o encontraremos novamente, em 1819 na distante serra da Ibiapaba tomando posse como Vigário Colado da Freguesia de Nossa Senhora da Assunção da Vila de Viçosa Real. O antigo aldeamento missionário Jesuítico e na condição de umas das várias Vilas de Índios da Província do Ceará e à época – como o Icó – integrantes da Província Eclesiástica de Olinda.



***

O VICARIATO DO PADRE FELIPE BENÍCIO MARIZ EM VILA VIÇOSA REAL - 1819 A 1842

O vicariato colado do Padre Felipe Benício Mariz na Freguesia de Nossa Senhora D’Assunção da Villa Viçoza na Província do Ceará está registrado entre 1819 a 1842, portanto 23 anos, uma das mais longas administrações daquela freguesia. Durante esse tempo houve três substituições temporárias nas quais atuaram os padres José Gomes Torres, Urbano Pessoa Montenegro e Manuel Pacheco Pimentel. Esses períodos equivalem aos afastamentos após uma agressão – que falaremos abaixo – e sua atuação na Confederação do Equador e posteriormente como Presidente do Governo Provisório do Icó, em repressão aos Confederados (de outubro a novembro de 1824) e outros afastamentos por razões particulares.

Felipe nunca se acostumou na Villa Viçoza, cujo termo consistia dos lugares de São Pedro de Ybiapina, S. Benedito, ao todo 14.821 almas. (in Ensaio Estatístico, Título XIII, ano de 1864).


Nada ali lhe agradava. Irritava-se com tudo, achava-se superior a população local. Aristocrático, com escravaria, tinha ancestrais ligados à própria história de Pernambuco. Isso contribuía para a sua inadaptabilidade na Villa Viçoza, uma Vila de Índios, que “foi creada freguesia em 1759, e villa em 7 de julho do mesmo anno” era termo de Granja, para onde o Padre Mariz deslocava-se sempre que podia. O vilarejo (urbe e sítios), contava com 6.622 pessoas, sendo 3.475 homens e 3.147 mulheres, haviam 100 escravos, 54 homens e 44 mulheres, certamente 20 ou 30% desse total pertenciam à Nossa Senhora da Assunção.





                          (Antigo sacrário da Matriz de Viçosa do Ceará, obra do século XVII)

A Vila, à sua chegada tinha "130 casas de telha, uma escola primária para meninos, e outra para meninas" (2), 91 funcionários públicos, inclusos nessa conta juízes, suplentes, promotor, escrivão, delegados, soldados, carcereiro, pároco, coadjutor, sacristães, professores, inspetores, coletores gerais, camaristas outros empregados – era a “máquina administrativa”.


A Igreja Matriz, diferentemente de sua amada Expectação do Icó, não tinha sido concluída, coberta de palhas, com o forro da capela-mor com estanhos desenhos escuros do tempo dos Jesuítas, tinha vontade de cobri-los de branco, porém a escuridão do templo pela total falta de janelas fazia que aquelas pinturas ficassem ali, meio à sujeira e umidade que a cada inverno ameaçava ruir.



Mangas, jacas, e o nobre abacate das guianas francesas, Como se não bastassem as questões climáticas que o irritavam, havia os mosquitos: Ah, os malditos mosquitos! Sua pele de Teixeira, branca avermelhada, geneticamente frágil ao clima dos trópicos, enchia-se de pústulas e perebas. Era o fim... um inferno.
                        (Antigo sacrário da Matriz de Viçosa do Ceará, com altar jesuítico do século XVII)


De tudo fazia para sair daquele “detestável” exílio... cartas e queixumes ao bispo de Olinda, gestões políticas, nada: Era o “Vigário Colado” da Freguesia de Nossa Senhora da Assunção da Villa Viçoza Real das Américas. O bispo de Olinda queria, de fato, mantê-lo longe das brigalhadas e confusões de sua família no Icó. Dali não sai, dizia o prelado olindense. E não sairia.
Era irmão do temível Capitão-Mor do Icó, o Tenente-Coronel João André Teixeira Mendes. Gostava da frugalidade do sertão.


Vez por outra saboreava, às escondidas, algum gole de vinho de missa trazido à muito custo à lombo de burro. Cachaça nem pensar, detestável, vício de párias, igualava-o a caboclada inveterada no aguardente. Era Sacerdote Católico, um nobre, um superior no meio da gentalha ignorante e analfabeta, descendentes de índio. Aqueles mesmos índios que seus ancestrais haviam liquidado para expansão do gado bovino pelos sertões e que ele, vez por outra, mandava - como também seus antecessores - algum indio-escravo mais desobediente ou intransigente para o pelourinho, de frente à matriz, diferentemente dos paternais jesuítas que por ali estiveram, há somente 62 anos, expulsos que foram em 1759.



As cunhãs, vez por outra, acostumadas aos desejos carnais de seus antecessores, insinuam-se ao padre. Ele na efervescência de sua virilidade - 39 anos, afastava-se. Até aí o Mariz (Teixeira Mendes), ao que tudo indica até aquele momento em 1921, mantinha-se longe de relações amorosas. Seu pensamento estava em sua carreira política e eclesiástica.


Os únicos momentos que a paz lhe chegava ao espírito era quando descia a serra rumo ao Piauí e lá nos sertões quentes, iguais ao do Icó, montado em seu cavalo percorria as terras da Fazenda Tiaia, o único remanescente do patrimônio dos Jesuítas, com a sobra das cabeças de gado doadas em 1710 por Francisco da Cunha, que ora minguavam, pela seca e pela venda para manutenção dos padres diocesamos e da paróquia que dispunha desse único recurso.

Isso tudo fazia com que os caboclos, insuflados pelos brancos locais odiassem o Vigário, de forma que entre 30 e 31 de julho de 1822, foi acometido de grave ofensa na Vila, conforme o seguinte registro feito após outro acontecido similar em Maranguape.

Os documentos (1) a seguir não esclarecem suficientemente os motivos do levantamento dos íncolas maranguapenses, atribuído pelas autoridades à influência do havido pouco antes, em 30 e 31 de julho, na Vila Viçosa Real, quando um agrupamento indígena expulsara da freguesia o Vigário Felipe Benício Mariz” (in Revista do Instituto do Ceará, 1995, documentário Índios Revoltosos no Ceará)

Villa Viçoza não era uma terra sem lei. Haviam 2 Juízes, suplentes, promotor, escrivão, delegado, subdelegado, suplentes destes, escrivães, carcereiro, enfim todo o Aparelho Repressor de Estado. Aquilo que aconteceu com o Padre Felipe Benício Mariz, se deu sob as vistas da administração e dos homens públicos. Não foi nada "engraçado" como se vê - ainda nos dias atuais - em crônicas contemporâneas, fora uma afronta direta ao poder da Igreja, um dos braços da coroa. Houve naquele episódio a omissão dos homens e poderes públicos. Fora afrontado por um grupo de índios e caboclos rebeldes, dentro do recinto da Igreja, que o teriam esbofeteado e o colocado sobre um jumento velho de volta para o Icó, fato esse marrado e renarrado pelos cronistas da época, houve quem visse no fato a repetição do que ocorrera com o padre Francisco Pinto, em 1608.

Não contavam os revoltosos que essa ação seria punida severamente, como aconteceu em Maranguape, cujos índios revoltosos foram enviado presos a Pernambuco. E os brancos insuflantes não sabiam que por trás do nome Mariz estava escondido o Teixeira Mendes, irmão legítimo, de pai e mãe, de João André, o já famoso "canela-preta do Icó" e um aliado do poder. O padre Mariz voltaria para Viçosa por volta de 1826/27, certamente muitas cabeças rolaram. Os que se omitiram do fato, ou mangaram do eclesiástico enxotado, certamente tiveram o seu quinhão.

Dali por diante Mariz, e sua família, hão de vingar-se de tudo e de todos aqueles que interferirem no seu poder. Ninguém ousava se meter nas questões religiosas em Viçosa. Mesmo encontrando-se Benício Mariz com 71 anos, doente, acometido de isquemia cerebral, entrevado “no fundo da rede”, sua mulher e o filho Felipe Teixeira eram os administradores paroquiais.

De forma que em 1841 o padre Maximiano José Valcácer foi nomeado e enviado para Viçosa em 1841, pelo bispo de Olinda Dom João da Purificação Marques Perdigão (1831-1864), cuja missão era resgatar os bens da freguesia, então em poder dos familiares do padre. A missão do religioso acabou de forma trágica, sendo assassinado em 10 de dezembro de 1842.

A questão do patrimônio foi parar na justiça, sendo revolvido apenas por volta de 1860, quando era vigário o padre José Beviláqua e Benício Mariz já havia morrido.





TEXTO PUBLICADO ANTERIORMENTE EM 2014


VIEIRA, Washington Luiz Peixoto. Personagens históricos: padre Felipe Benício Mariz (1780-1850) – Parte I. Opinion, abril de 2009. Disponível em: . Acesso em: 7 jul. 2015.