quarta-feira, 14 de março de 2012

REMINISCÊNCIAS: VELHAS PROCISSÕES

Hoje vendo esse grafite de Domingos Linheiro, postado no blog Urban Sketchers Brasil¹, bateu saudade da Viçosa do Ceará. Não da cidade de hoje, onde tudo é comércio e ganância, onde os imóveis são "patrimônio histórico" - deixaram de ser "casa" - e as matas foram transformadas em "lotes" com a derrubada das arvores seculares.

Senti saudades da Viçosa de minha infância. Romantismo? Saudosismo? Que seja. Mas bateu saudade daquela “cidade com cara de vila”² onde o rural invadia o urbano, onde não se podia ser outra coisa senão católico romano: A cidade era hegemonicamente católica. Passou-me pela mente uma multidão de pessoas tão queridas que já habitam em outro plano de existência.


Lembrei-me, particularmente, das procissões. Elas, talvez, eram os eventos mais importantes que a cidade contemplava e para onde convergiam todas as energias e atenções de um tempo que não mais existe: Pessoas e Valores.

Era pelo Beco dos Pinhos que a procissão saia. As balaustradas das janelas, todas abertas no casarão vazio, ainda eram enfeitadas ao gosto de Dona Hilda: Colchas de tecidos valiosos ou bordados, vasos de metal prateados, flores, folhas de samambáia, palmeirinhas... Tudo lembrava o Brasil Imperial, daquelas fotos de Alberto Henschel.

Os sinos repicavam anunciando o início da procissão. Os irmãos do Santíssimo enfileirados vestidos com suas opas vermelhas sobre o paletó azul marinho. Meu avô levava orgulhosamente uma das lanternas processionais.

Vários estandartes: do Apostolado da Oração, da Pia União das Filhas de Maria, dos Marianos, da Ordem Terceira de São Francisco. Outrora houvera da Confraria dos Terceiros de Nossa Senhora do Carmo, de São Sebastião e Cruzada Eurarística de São Tarcísio, não as mais conheci.

O padre Martins, com sua “paciência” e seu megafone (com microfonia) pedia a todos que formassem alas: Quase ninguém ouvia aos apelos do sacerdote, bom era ir atrás do andor, ouvindo as marchas tocadas pela velha banda marcial, que já se apelidara de "furiosa”.

E assim seguia o cortejo, Rua de París abaixo. Quase na Praça do Cupido a casa do ex-prefeito Chico Alfredo (onde depois passou ali a morar o memorialista Dr. Edgard Fontenele), o sobrado de seu Chiquinho Vieira e dona Maria Beviláqua. (Quem não lembra da catequista dona Coló Vieira?) Logo adiante as casas do seu Expedito e dona Loura, Dr. Benjamim e dona Creuza (que habitavam o antigo casarão do velho Tristão Vieira e dona Mundoca). Parava um pouco diante da casa de seu Gerardo Pindaíra, e por ali estavam dona Bahia, dona Santa Viera e Ana Maria. Entrava pela Padre Beviláqua (nas procissões dos Passos e Corpus Chisti havia "estações" e altares armados), e logo se via dona Frasquinha Braga e suas filhas e logo adiante dona Mundinha Beviláqua, dona Maria dos Anjos, seu Zezé Fontenele, dona Cocota, dona Eulina e minha avó Luíza com o terço nas mãos, que esperavam ansiosas nas portas de casa o cortejo passar. Do lado dos Correios o jovem casal Socorro e seu Raimundo Monteiro. Já nos últimos tempos passou a morar naquela rua o Professor Regino Carneiro, que foi o Vigário da Paróquia por décadas e dona Gladys, então sua esposa.

Chegava enfim à Praça General Tibúrcio. Uma parada providencial em frente a casa de seu Felizardo Pacheco e dona Elvira (era aí que na Procissão dos Passos, Jesus encontrava-se com Nossa Senhora das Dores e havia o grande sermão). Mais adiante seu Raimundo Silveira e família, dobrava o “quadro da praça”. Logo à esquina seu José Maria e dona Ioneida (depois passando a morar dona Maria Celeste), dona Lídia e seus irmãos Jonas e Isaías. Não podia deixar de passar na frente da casa dos “Coelhos”onde moravam dªs Silvinha e Mariazinha, de seu Zé Mamade e dona Raimunda e dos “Castro” com dona Mundinha já idosa, nem na casa de seu Chico Dô e dona Francisca, dona Júlia e Maria Aires, do seu Sebastião Nogueira e dona Júlia, do seu Loiola e dona Maria Magalhães, dona Rosa Victor (depois passando a morar nesta casa seu Juarez e dona Maria Alice), dona Gilberta e Ida Pacheco, famosa cantora da Igreja e dedicada paroquiana, Francisco Pacheco e Lourdes. E mesmo não ficando no riscado do itinerário dona Maria dos Prazeres não deixava de enfeitar as suas janelas.

Eram as ruas de procissão.

Subia a Lamartine Nogueira: Sobrado do seu João Mapurunga, a casa do seu Chico Leocádio e dona Virgília, de portas cerradas, mas como lembrança de que ali habitara uma família, as casas de seu Eduardo Mapurunga e dona Maria Carneiro, seu Jonas e dona Mundinha Pacheco e sua filha Olga, seu Zé Figueira e dona Belinha, dona Valda e seus filhos, dona Ritinha e seu Raimundo Gondim (do hotel Sayonara, certamente uma recordação dos Japoneses que estiveram na mina da Pedra Verde), dona Mementa (a conhecida "Parenta" de todos nós). E, na calçada de seu Dedé e dona Izaura muita gente à espera (Maricôca, Domitila, Mário e France). E, logo em frente seu Gerardo Magalhães e dona Magnólia. Andando mais um pouco via-se as casas de dona Clécia, de dona Maria Dantas, dona Constância, seu Antonio Belchior e dona Mariínha, seu Juca e dona Nilza, seu Sebastião Dantas e dona Terezinha, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (que um dia fora a sede do Patronato), de seu José Jonas e dona Frasquinha, dona Neném Batista, dona Maria Ribeiro, Vitória Pinho, filha de Maria que arrumava os altares da Matriz no dia-a-dia, colocando flores no Santíssimo (era a sua vocação).

E, no momento de grande espera, chegava-se à casa das “Batistas”, onde estavam as amáveis Clódis e Alice, sempre com velhas novidades em sua decoração católica e barroca - era ali que os andores eram preparados (pena que a casa foi demolida!). Na Procissão de Corpus Chisti armavam um belo altar-oratório; dona Luzia Pacheco, seu Zé Miranda e dona Florinda (com certeza a habitação de arquitetura original mais Brasil-Colônia da cidade) e suas filhas: Júlia que preparara os anjos, Maria e Francisca. Mais uma caminhada chegava-se, afinal, na Praça da Matriz.

Já no "quadro da Matriz", com todas as suas casas festivamente de portas e janelas abertas, algumas com ricas colchas ou toalhas nos parapeitos das janelas, via-se (e alguns se vê): Dona Miriã e seu Miguel, dona Mair e Chiquinho Mapurunga, dona Chichica, dona Maria Luiza Fontenele e seu Antonino; Casas do seu Sousa e dona Raimundinha, dona Emília, já viúva, seu Ozéas e dona Vânia, o Coronel Chico Caldas e dona Eglantine, seu Silvino Holanda e dona Maria Xavier, seu Onezindo Pacheco e dona Regina, dona Margarida e suas irmãs Mundinha e Maria Rocha, seu Oliveira e dona Rosilda, dona Maricota e seu Pindaíra (lembro-me ainda de dona Mariínha), dona Anita Braga e seu Jorge, dona Nini Gouvêia e seu Assis Pindaíra, casa dos “Benícios”e o nosso querido Dr. Ednird e Hozana, Dr. Edvard e dona Marieta, Nonón e Carmelita Bizerril, o sobrado da dona Marcela Fontenelle e Mundinha Paulino (sua gatinha "Treslinda" escondera-se com medo dos fogos) e novamente a Casa dos Pinhos, (que na verdade é um conjunto de habitações interligadas dos herdeiros do coronel Felizardo de Pinho Pessoa) tão vasta como um palácio: Hoje a chamam de "Solar".

E enfim a apoteose, com toda a multidão reuinida diante do patamar sobre o alarido dos sinos e dos foguetes e o cheiro de incenso. Toda a comunidade, urbana e rural, em êxtase diante do divino que parecia por ali pairar. Até os mosquitos, como que por milagre, voavam sobre a cabeça da Vigem da Assunção, fazendo-lhe a coroa, naquelas ave-marias.

Era a Viçosa Católica, tinha um quê de Pio XII, ou de uma Roma sob os trópicos. Eram as procissões de minha amada Viçosa, que o vento levou...


1. Imagem postada o blog: http://brasil.urbansketchers.org/2012/02/vicosa-do-ceara.html
obs- O texto não pretende elencar todas as pessoas e casas, foi feito de memória, porém tentar resgatar um determinado período histórico (década de 60/70) em que o autor por ali viveu e as pessoas do "polígno" das procissões presentes em sua lembrança ou pelo menos a memória de outras que não conheceu mas que ouvira falar, mesmo com suas casas com outros propritários.




2. Expressão de Valdemir Pacheco em seu livro "Tragédia da Tabatinga".

Procissão do Menino-Deus em 1º de janeiro 2011

Texto com algumas inclusões de pessas em 24/3/2012, às 6h30m


3 comentários:

Eudásio disse...

Fica o registro do olho clínico do viçosense q vê a terra amada desvirginada pelo frenesi dos urubus com pluma de tucano.

Nathercio Veras disse...

Olá, Wellington! Tudo bem?

Já frequento seu blog há mais de um ano. Aprecio a valorização da História Cotidiana, especialmente a que se refere a Viçosa. Vi o nome de meu avô, Felizardo Pacheco, no conteúdo de seu texto.

Parabéns pelo estilo!
Nathercio Rocha Veras Pacheco

Walkiria Costa Lima disse...

Texto gostoso de se ler e relembrar as pessoas conhecidas da velha e querida Viçosa