sexta-feira, 31 de outubro de 2025



ALVES PEQUENO E CORREIA DE SAMPAIO: RAÍZES LUSO-PERNAMBUCANAS E A EXPANSÃO FAMILIAR NO NORDESTE COLONIAL


Por Washington Luiz Peixoto Vieira


O CASAL-TRONCO E SUAS ORIGENS

O coronel Luís Alves Pequeno (n. 1692), natural da freguesia de São Salvador de Nuzedo, concelho de Valpaços, em Portugal, casou-se por volta de 1732 com Maria Correia de Sampaio (n. 1715), natural da freguesia de Nossa Senhora da Penha de França da Taquara, em Pernambuco.

Esse enlace uniu a tradição portuguesa de pequenos proprietários e militares às famílias pernambucanas do interior, fundando uma ampla descendência que se expandiria por todo o Nordeste. Luís e Maria são reconhecidos como o casal patriarcal das famílias Alves Pequeno, Lopes Pequeno, Gomes Pequeno, Sampaio e Valença, que se fixaram em áreas do Cariri paraibanoSeridó potiguarCariri cearense e Agreste pernambucano, como veremos abaixo.


OS FILHOS DO CASAL-TRONCO

A numerosa descendência do casal consolidou laços familiares e políticos entre as principais famílias sertanejas do século XVIII.
Segue a relação dos filhos conhecidos de Luís Alves Pequeno e Maria Correia de Sampaio, com os respectivos casamentos e descendências documentadas:

  1. Félix Gomes Pequeno, nascido em 1735, casou-se com Adriana de Hollanda Vasconcelos.

  2. Antônia Alves Pequeno, nascida em 1737, faleceu antes de 1793.

  3. Capitão Luís Alves Pequeno, nascido em 1734, casou-se com Clara Teresa de Jesus.

  4. Águeda Maria de Jesus, nascida em 1738, casou-se com Antônio Gomes da Silveira Taborda.

  5. José Francisco Alves Pequeno, nascido em 1741.

  6. Maria José dos Milagres, nascida em 1743, casou-se com Francisco Teixeira Mendes, radicaram-se em Patos, na Paraíba e depois no Icó, no Ceará;.

  7. Francisco Alves Pequeno, nascido em 1745, casou-se com Maria Izidora.

  8. Luísa Maria de Jesus, nascida em 1746, casou-se com José Moreira Teixeira Mendes.

  9. Mariana José do Nascimento, nascida em 1747, casou-se com Alexandre José Carvalho, natural do Recife.

  10. Ana Alves Pequeno, nascida em 1750, casou-se com Antônio José de Castro.

  11. Clara Alves Pequeno, nascida em 1740, filha de Maria Álvares, casou-se com José de Pontes da Silva.

Esses onze ramos familiares se espalharam pelos sertões da Paraíba, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte, e seus descendentes viriam a integrar novas linhagens locais, entre as quais se destacam os Teixeira MendesRolimVila SecaGomes da SilveiraValençaLopes Galvão e Sampaio.


AS MIGRAÇÕES E O POVOAMENTO

O livro Pelos Caminhos dos Alves Pequeno e Correia de Sampaio: dos Cariris Velhos aos Cariris Novos registra detalhadamente os deslocamentos desses descendentes desde Goiana e Taquara, em Pernambuco, rumo aos Cariris Velhos e Novos, ao Brejo paraibano, ao Seridó potiguar e ao Cariri cearense, chegando inclusive a Icó (CE) e a São Bento do Una (PE).

Essas migrações acompanharam o avanço da pecuária e da agricultura pelo interior nordestino, formando redes familiares que deram origem a fazendas, capelas e freguesias — núcleos de poder que definiram o mapa humano e social da região nos séculos XVIII e XIX.


FAMÍLIAS DERIVADAS DO CASAL-TRONCO

Entre as famílias diretamente descendentes ou entrelaçadas por alianças matrimoniais, destacam-se:

  • Teixeira Mendes – tradicional no Cariri  do Ceará e  Icó, com ramos ligados à vida militar e à criação de gado;
  • Rolim – com forte presença no sertão paraibano e cearense, vinculada à economia pastoril;
  • Vila Seca – de origem também sertaneja, estabelecida entre Pernambuco e Paraíba;
  • Gomes da Silveira – de atuação política e comercial no interior paraibano;
  • Sampaio – herdeira direta do sobrenome materno, presente em várias localidades do Brejo e do Seridó;
  • Valença – com laços familiares e econômicos nas vilas do Pajeú, São Bento do Una e do São Francisco;
  • Lopes Galvão – com descendentes em Campina Grande, Areia e no Seridó.

Essas famílias, por entre casamentos, testamentos e partilhas, formaram uma teia de parentescos e alianças que consolidou o poder local nas vilas do interior, influenciando a política, a economia e a vida religiosa das comunidades.


A EXPANSÃO PARA O SERIDÓ E O CEARÁ

A migração seguiu adiante, alcançando o Seridó do Rio Grande do Norte, onde os descendentes dos Alves Pequeno e Correia de Sampaio se fixaram em localidades como Currais Novos e Acari. A região, tradicionalmente pastoril, oferecia condições favoráveis à criação de gado e ao cultivo de algodão — produtos centrais na economia do século XIX.A expansão também atingiu o Ceará, com presença em cidades históricas como Icó e Crato, importantes entrepostos comerciais e rotas de ligação entre o sertão e o litoral. Ali, novamente, os descendentes dessas famílias se integraram às elites locais, participando da vida econômica e religiosa da região.

CONTRIBUIÇÃO À GENEALOGIA NORDESTINA

A pesquisa sobre os Alves Pequeno e Correia de Sampaio tem atraído a atenção de diversos estudiosos da genealogia nordestina, por constituir uma das mais antigas e ramificadas linhagens do sertão.
Trabalhos recentes de genealogistas, historiadores locais e associações como a ABANT (Associação Brasileira de Antropologia e Genealogia) têm utilizado esse tronco familiar como referência para compreender a formação social dos Cariris e do Seridó.

A obra Pelos Caminhos dos Alves Pequeno e Correia de Sampaio é, nesse contexto, uma contribuição fundamental para a expansão dos estudos genealógicos, reunindo fontes documentais, registros paroquiais e memórias familiares que iluminam a formação do Nordeste interiorano.

Mais que uma genealogia, trata-se de uma história de mobilidade, entrelaçamentos e permanências, que revela como famílias oriundas de um casal luso-pernambucano moldaram a estrutura social e fundiária de vastas regiões nordestinas.




 


PATRIMÔNIO HISTÓRICO EM FOCO: A IDEALIZAÇÃO DO PRIMITIVO ALTAR DA CAPELA DO SENHOR BOM JESUS DO BONFIM DE ICÓ (CE)

 Por Washington Luiz Peixoto Vieira

A cidade de Icó, no Ceará, reconhecida como Patrimônio Histórico Nacional pelo IPHAN, é um tesouro de arquitetura colonial e fervor religioso. No coração de sua história, a Capela do Senhor Bom Jesus do Bonfim, erguida em 1749, guarda séculos de fé e tradição, centradas na venerada imagem do Cristo Crucificado.

A imagem fornecida, idealizada com as inscrições "Icó antigo" e "Washington Peixoto"  —, nos transporta para o interior deste importante santuário, oferecendo uma visão sugestiva do seu primitivo altar-mor

Neste altar-mor, segundo relato de tradições mais antigas, existia um nicho-santuário com portas, que se abriam somente por ocasião das missas e das "adorações" das sextas-feiras, e provocavam um "ranger sinistro, que dava medo"..

A Cenografia da Fé: Idealização Artística

A composição sugere o esplendor do período colonial, com o altar exibindo a riqueza da talha e a imponência da arquitetura religiosa:

  • O Retábulo e o Cristo: No centro da idealização, o Crucifixo do Senhor do Bonfim domina a cena, emoldurado por um nicho luxuosamente decorado. O brilho dourado e a irradiação ao redor da imagem (uma possível referência à talha original ou à restauração que a imagem sofreu) destacam a figura de Jesus, que é o ponto focal da devoção icoense.

  • Decoração e Simbolismo: As portas laterais abertas do retábulo (tabernáculo) revelam a estrutura interna, adornada com elementos barrocos. A presença de velas, flores e pequenos anjos nos degraus do altar reforça o ambiente de solenidade litúrgica e adoração.

Tradição e Liturgia

A cena, idealizada a partir da perspectiva de um fiel na nave da igreja, captura um momento de profunda espiritualidade:

  • A Presença Sacerdotal: No primeiro plano, à frente do altar, a presença de padres em trajes litúrgicos (alvas e casulas) sugere a celebração da Missa, possivelmente a tradicional Missa Tridentina, realçando a devoção e o respeito pela liturgia que caracteriza a história da igreja.

  • Devoção em Oração: Os fieis joelhos nos bancos reforça a ideia de uma cerimônia fervorosa, típica dos grandes eventos religiosos que marcam a Capela do Bonfim, especialmente durante as celebrações da Festa do Senhor do Bonfim, que atrai milhares de devotos anualmente e se confunde com a própria história de Icó.


 


ICÓ E SUAS REVOLUÇÕES LIBERTÁRIAS

Da chama republicana à abolição precoce: três momentos de coragem e ruptura no Sertão cearense

Por Washington Luiz Peixoto Vieira

Nestes sertões do Ceará, banhados pelo Salgado e pelas memórias de uma vila altiva, há uma história que não se cala. O Icó, hoje guardião de igrejas barrocas e sobrados coloniais, foi também palco — e, por vezes, alvo — de revoluções libertárias que desafiaram a ordem imperial e as correntes da escravidão.
Três momentos se destacam: a Revolução Pernambucana (1817), a Confederação do Equador (1824) e a Abolição local da escravidão (1883). Em todos, o espírito de liberdade soprou forte entre as ruas de pedra e os becos da antiga “Princesa do Sertão”.


A SOMBRA DE 1817: O PLANO QUE NÃO SE CUMPRIU

Em março de 1817, Pernambuco ergueu-se contra o domínio português e proclamou uma efêmera república. O ideal de liberdade contagiou as capitanias vizinhas — e Icó não ficou fora do mapa dos conspiradores.

Pesquisas recentes revelam que os líderes da Revolução Pernambucana pretendiam expandir o movimento pelo interior do Ceará, tendo a vila de Icó como um dos pontos estratégicos para a resistência. O historiador Sérgio Roberto da Silva (UEG) menciona a elaboração de um plano de ataque à vila, visando incorporá-la ao território libertário do Nordeste.

O plano, porém, nunca se concretizou. As tropas imperiais sufocaram a revolta antes que ela cruzasse os sertões cearenses. Ainda assim, o nome de Icó ficou registrado como parte do horizonte político do republicanismo nascente, prenúncio de um papel maior que viria poucos anos depois.



1824: QUANDO ICÓ FOI CAPITAL DO CEARÁ REVOLUCIONÁRIO

Sete anos depois, o estopim reacendeu. Em 1824, o Brasil recém-independente vivia sob a Constituição imposta por D. Pedro I — um texto centralizador, que desagradava aos ideais liberais do Nordeste. Assim nasceu a Confederação do Equador, movimento republicano e separatista que uniu Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

No dia 11 de julho de 1824, a Câmara Municipal de Icó reuniu-se em sessão solene e declarou desobediência ao governo imperial, proclamando um Governo Provisório confederado. Por alguns dias, Icó tornou-se a capital política do Ceará revolucionário.

As notícias corriam pelas estradas poeirentas: os ícoenses haviam aderido à causa da liberdade, erguendo-se contra o poder do Rio de Janeiro. Contudo, a vitória seria breve. Tropas fiéis ao Império marcharam sobre o sertão, reprimindo o levante com violência. Muitos foram presos, outros fugiram, mas o gesto ficou gravado na memória coletiva — Icó havia se insurgido.



1883: O BERÇO DA LIBERDADE NEGRA

Quase sessenta anos depois, o mesmo espírito libertário reapareceu sob outra forma — a libertação dos escravizados.
Em 25 de março de 1883, antes mesmo da famosa abolição de Redenção, os moradores de Icó reuniram-se em praça pública e concederam alforria a mais de duzentas pessoas escravizadas.

O ato foi simbólico e revolucionário: uma cidade do interior, movida por um sentimento humanitário, rompeu com o regime escravocrata cinco anos antes da Lei Áurea. Documentos municipais registram que senhores locais, influenciados por padres, professores e jornalistas, contribuíram com dinheiro para comprar as cartas de liberdade.

A data é celebrada até hoje como um marco da luta abolicionista cearense, consolidando o Icó como berço de liberdade no sertão do Império.


HERANÇA DE REBELDIA

Entre planos revolucionários, proclamações e alforrias, Icó construiu uma trajetória marcada pela insubmissão e pela esperança.
Foi, em três séculos distintos, testemunha da República sonhada, da resistência política e da libertação humana.

Hoje, ao caminhar pela Praça da Matriz, pela antiga Câmara e Cadeia ou pelas ruínas do século XIX, é possível sentir ainda o eco dessas vozes que clamaram por liberdade.
Icó não apenas viveu a história — fez dela um ato de coragem e precisa resgatar a sua história, que não se faz de shows em praça pública.


Fontes consultadas:

  • Revista História UEG (artigo sobre a Revolução de 1817 e o plano de Icó).
  • Portal oficial da Prefeitura Municipal de Icó.
  • Fundação Sintaf e Bahia.ws (bicentenário da Confederação do Equador).
  • Educapes/CAPES (projeto As Muitas Vozes de Icó – CE: Ensino de História Local e Memória).Arquivo Nacional (página temática Confederação do Equador) — para processos, ofícios e correspondência. Serviços e Informações do Brasil
  • Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional — jornais do período (proclamações, manifestos, listas). Hemeroteca PDF
  • Repositórios universitários (URCA, UFC, UNILAB, UF C, UCS) — para teses e dissertações mencionadas. eduCAPES+2Repositório UCS+2
  • Periódicos acadêmicos (SciELO, Revista do Instituto do Ceará, anais locais) — artigos sobre indígenas, participação local e memórias. scielo.br+1