sábado, 11 de outubro de 2025

 

Os Três Irmãos Padres do Icó: Monsenhores Manoel, Raymundo e Pedro Hermes Monteiro

1. Introdução

O final do século XIX marcou o auge da influência da família Monteiro Bugija na vida religiosa e intelectual do interior do Ceará. Entre os muitos filhos do coronel Raymundo Francisco Monteiro Bugija e de dona Guilhermina de Lavor Monteiro, destacou-se um trio singular: Manoel, Raymundo e Pedro Hermes Monteiro, todos ordenados sacerdotes católicos e elevados à dignidade de monsenhores. Esses irmãos icoenses deixaram contribuições que ultrapassaram os limites da fé, abrangendo a música, a educação, a arquitetura religiosa e a administração eclesiástica.


2. Monsenhor Manoel Hermes Monteiro (1863 – 1945)

Nascido em Icó, Ceará, em 31 de agosto de 1863, Manoel foi o primogênito dos três irmãos padres. Foi batizado em 6 de novembro do mesmo ano, tendo como padrinhos Urbano Cícero de Lavor e Idalina de Castro Monteiro. Após estudos iniciais em Icó, seguiu para Roma, em novembro de 1878, ingressando no Colégio Pio Latino-Americano. Concluiu os cursos de Filosofia e Teologia na Universidade Gregoriana, sendo ordenado presbítero em 10 de abril de 1886.

De volta ao Ceará, exerceu suas primeiras funções como auxiliar do padre Manoel Francisco da Frota, em Icó, e posteriormente como coadjutor em Aracati. Por volta de 1910, retornou a Icó para cuidar da mãe idosa, falecida em 1914. Passou então a auxiliar o irmão monsenhor Raymundo Hermes Monteiro, vigário local, residindo com ele no tradicional Sobrado do Canela Preta, então conhecido como “Sobrado do Padre Hermes”.

Segundo a tradição oral, padre Manoel foi o último dos irmãos a permanecer em Icó, dedicando-se à celebração de missas nos distritos rurais, como Cruzeirinho, onde administrava propriedades da família. Faleceu em Fortaleza, em 13 de junho de 1945, aos 81 anos, sendo trasladado para Icó, onde repousa no Cemitério Velho, em túmulo erguido pelos três irmãos padres, junto à mãe e outros familiares.


3. Monsenhor Raymundo Hermes Monteiro (1864 – 1935)

Nascido também em Icó, a 25 de novembro de 1864, Raymundo Hermes Monteiro seguiu a vocação sacerdotal aos 16 anos, ingressando no Seminário da Prainha em 1880. Entre 1883 e 1888 cursou Filosofia e Teologia, sendo ordenado em 1888, na Capela da Imaculada Conceição do Seminário, por Dom Joaquim José Vieira, segundo bispo do Ceará.

Sua trajetória pastoral foi extensa e influente. Atuou como:

  • Coadjutor de Lavras, com residência em Aurora (1888–1889);

  • Vigário de Nossa Senhora Santana de Iguatu (1889–1906), onde construiu a torre da igreja matriz e a capela de São José no Sítio Baú;

  • Vigário de Nossa Senhora da Expectação de Icó (1907–1917), onde realizou grande reforma na matriz e consolidou o clero local;

  • Vigário de Quixadá (1917–1918);

  • Secretário do Bispado de Fortaleza (1918–1923);

  • Vigário de Russas (1923–1930), onde recebeu o título de Camareiro Secreto de Sua Santidade, por Breve do Papa Pio XI (1929).

Durante seu ministério, monsenhor Raymundo destacou-se pela erudição, domínio do latim e fidelidade ao modelo “romanizado” de sacerdote — uma figura de forte autoridade moral e intelectual. Morreu em Fortaleza, em 18 de janeiro de 1935, aos 72 anos, encerrando uma vida de dedicação exemplar à Igreja e ao povo do Vale do Jaguaribe.


4. Monsenhor Pedro Hermes Monteiro (1871 – 1945)

O mais jovem dos irmãos, Pedro Hermes Monteiro, nasceu em Icó, em 18 de janeiro de 1871, sendo batizado em 5 de fevereiro do mesmo ano. Estudou também no Seminário da Prainha, sendo ordenado em 30 de novembro de 1893, aos 22 anos, por Dom Joaquim José Vieira.

Logo após a ordenação, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde iniciou uma notável carreira intelectual e musical. Serviu como:

  • Secretário do Bispado de Niterói (1896);

  • Reitor do Seminário de Campos dos Goytacazes;

  • Professor de Teologia Moral;

  • Oficial Maior da Cúria Diocesana do Espírito Santo (1895–1897);

  • Membro da Comissão de Música Sacra do Cardeal Joaquim Arcoverde, ao lado de Alberto Nepomuceno e Visconde de Taunay.

Em 1896, publicou A Arte do Canto-Chão ou Canto Litúrgico, obra que se tornou referência na restauração da música sacra brasileira. Recebeu títulos honoríficos do Vaticano — Prelado Doméstico (Leão XIII, 1902) e Protonotário Apostólico (Pio X, 1904). Foi também diretor-corista da Igreja de São Pedro e capelão da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, no Rio de Janeiro.

De volta ao Ceará em 1908, debilitado em saúde, fixou-se em Fortaleza e depois em Icó, onde mandou construir uma capelinha dedicada a Nossa Senhora de Loreto, em terras da família — hoje conhecidas como Fazenda Loreto. Nos últimos anos, sofreu com problemas mentais e faleceu em Fortaleza, em 15 de fevereiro de 1945, aos 74 anos..


5. Legado e Memória

A tríade dos irmãos Hermes Monteiro representa uma das expressões mais notáveis do catolicismo ilustrado do interior nordestino. Educados dentro dos rigores da formação eclesiástica pós-tridentina, tornaram-se símbolos de uma geração de clérigos cultos, disciplinados e comprometidos com a modernização da Igreja no Brasil.

De Roma ao Rio de Janeiro, de Icó a Russas, deixaram marcas em templos, publicações e instituições que resistem à erosão do tempo. O Sobrado do Padre Hermes, o Cemitério Velho de Icó e a Capela do Loreto são hoje espaços de memória de uma família cuja fé e saber moldaram a história religiosa do Ceará.


Fontes e Referências:

  1. MONTEIRO, Pedro Hermes. Arte de canto-chão ou canto litúrgico. Rio de Janeiro: s.n., 1896. Disponível em: acervo Biblioteca Digital de Literatura Brasileira (UFSC). Acesso em: 10 out. 2025. (Literatura Brasileira UFSC)

  2. ARQUIDIOCESE DE FORTALEZA. Centenário da Arquidiocese de Fortaleza — lista/registro de ordenações e dados biográficos do clero. Fortaleza: Arquidiocese de Fortaleza. Disponível em: site oficial da Arquidiocese. Acesso em: 10 out. 2025. (Arquidiocese de Fortaleza)

  3. INSTITUTO DO CEARÁ. A Matriz do Carmo e seus Vigários (artigo / fascículo da revista do Instituto do Ceará — lista nomes e atuação de clérigos, menciona Mons. Pedro Hermes Monteiro). Fortaleza: Instituto do Ceará. Disponível online. Acesso em: 10 out. 2025. (Instituto do Ceará)

  4. FAMILYSEARCH. Manuel (Manoel) Hermes Monteiro (1863–1945) — ficha genealógica / termo de batismo / dados pessoais (registro genealógico online). Disponível em: FamilySearch. Acesso em: 10 out. 2025. (FamilySearch)

  5. FAMÍLIAS CEARENSES. Genealogia: Clero Católico no Ceará (listas de padres/batismos/linhagens — referência local sobre os irmãos Hermes Monteiro). Disponível em: famíliascearenses.com.br. Acesso em: 10 out. 2025. (Famílias Cearenses)

  6. FUND. WALDEMAR ALCÂNTARA / ACERVO DA CIDADE DE FORTALEZA. Datas e Fatos para a História do Ceará (tomo / lista cronológica que cita ordenações e anos relevantes à biografia do clero cearense). Disponível online no acervo municipal / edições reimpressas. Acesso em: 10 out. 2025. (Fundação Waldemar Alcântara)

  7. INSTITUTO DO CEARÁ. Dados para uma História Eclesiástica do Ceará (artigos/anais do Instituto com notas e documentos sobre a atividade paroquial e biografias de clérigos). Fortaleza: Instituto do Ceará. Disponível em PDF no site do Instituto. Acesso em: 10 out. 2025. (Instituto do Ceará)


Imagens: Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceara: em commemoração dasbodas de ourode sua fundação (1914).

Nenhum comentário: